O debate sobre a regulamentação do Marco Civil da Internet está, neste momento, bastante concentrado nos modelos de acesso gratuito – ou ‘zero rating'. A incerteza sobre a legalidade desse tipo de acesso, aliada às críticas ao projeto do Facebook nessa área parece deixar as teles no Brasil bastante cautelosas.
Até aqui, em que pese as tentativas do Facebook, nenhuma operadora que atua no país se acertou com a rede social para oferecer o Internet.org, admite o novo vice-presidente de políticas públicas da empresa, Kevin Martin. Contratado há exatamente um mês, Martin fez do Brasil uma de suas primeiras escalas na tentativa de convencer governos, teles e, especialmente, os críticos de que o projeto não fere a neutralidade de rede e merece apoio.
“O que estamos oferecendo não é um plano comercial, não restringe acesso e não retém dados. O Internet.org não fere a neutralidade de rede porque ninguém paga, é grátis e não discriminatório, uma vez que não há arranjos exclusivos. Quem quiser pode entrar. O objetivo é viabilizar que mais pessoas se conectem, até porque quanto mais gente estiver online, maior é o valor da rede”, defende o executivo em entrevista ao Convergência Digital.
Segundo o vice-presidente da rede social, essa é a linha da resposta que o Facebook dará ao Comitê Gestor da Internet, o CGI.br, que há duas semanas encaminhou um questionário à representação da empresa no Brasil, onde demonstra dúvidas sobre como o serviço gratuito respeita a legislação nacional que exige neutralidade de rede, respeito à privacidade e garantias de acesso não discriminatório.
Kevin Martin foi presidente da FCC – a Anatel dos EUA – durante os dois mandatos de George W. Bush. Embora Republicano, votou com os comissários Democratas e contra seus correligionários no principal debate sobre neutralidade de rede no período: as práticas da Comcast de degradar o tráfego de conteúdos peer-to-peer. “Ninguém concordaria que o Correio abrisse uma carta e decidisse não entregá-la, escondesse o fato e a devolvesse com carimbo ‘endereço desconhecido’”, sustentou na época.
Bom de conversa, Martin tem, apesar do título do cargo, a evidente missão de tirar o Facebook da tempestade de relações públicas em que se meteu o Internet.org. Não por menos, sustenta que a porta grátis é um chamariz para atrair o maior número de pessoas que ainda não descobriram, ou não podem pagar, por conexões à rede. E até já cunhou um bordão: “Estamos oferecendo um almoço grátis na esperança que as pessoas voltem para o jantar pago.”
Embora o Internet.org se baseie na seleção de sites e aplicativos cujo acesso não consome franquia de dados, Martin tenta repelir a ideia de que se trata de um ‘jardim murado’ que tem o Facebook como ‘leão-de-chácara’. “A iniciativa é desenhada como uma oferta introdutória. Se as pessoas ficarem apenas no Internet.org, ela não será bem sucedida”, insiste, sustentando que “o Facebook não paga, a operadora não paga, os aplicativos não pagam e o cliente não paga”.
Ou melhor, o Facebook alega que não paga aos parceiros, mas segundo Kevin Martin é a empresa quem sustenta financeiramente o Internet.org ao patrocinar a equipe que promove o projeto e o desenvolvimento de conteúdos – inclusive já com parceiros brasileiros nesse campo, diz ele. As próprias operadoras que aderem ao projeto, no entanto, também investem no marketing para atrair novos usuários.
Mas enquanto alega não ser um ‘jardim murado’ porque “abrimos a plataforma para qualquer conteúdo”, é certo que esse “qualquer” precisa se enquadrar em critérios definidos pela rede social, como ser “leve” no consumo de dados, não envolver vídeos ou imagens “pesadas”, por exemplo. Mas outra questão importante é que o Internet.org não aceita dados criptografados – por sinal, mais uma fonte de críticas ao projeto. “É um desafio de engenharia, pelo problema de encriptar dados em conteúdo que precisa ser acessado por aparelhos 2G”, diz.
Como “prova” do sucesso, o Facebook traz números justamente do país que deu maior impulso às queixas de que o projeto fere a neutralidade. “Na Índia, onde já são quase 800 mil pessoas usando, cerca de 90% dos dados vem de fora do Internet.org”, diz Martin. Lá na Índia, porém, o próprio FB admitiu que desses 800 mil, apenas 20% são novos usuários – os demais já tinham planos de dados móveis com a parceira local, a operadora Reliance.
Fonte: Convergência Digital de 12 de junho de 2015, materia de Luis Oswaldo Grossmann.
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