O Comitê Gestor da Internet (CGI.br) quer entrar na discussão no Supremo Tribunal Federal sobre a jurisdição e aplicação da legislação brasileira no acesso a conteúdo privado na Internet armazenado fora do Brasil. O assunto foi discutido a reunião da entidade no final de março, quando foi definida a participação como amicus curiae (amigo da Corte) na próxima audiência sobre a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 51 no STF. A ata formalizando a decisão foi aprovada na reunião da semana passada.
A ação foi ajuizada no final de novembro do ano passado pela Federação das Associações das Empresas de Tecnologia da Informação, a Assespro Nacional. A última audiência sobre o tema aconteceu no dia 4 de abril, a pedido do ministro relator, Gilmar Mendes. A Procuradora-Geral da Republica, Raquel Dodge, defendeu em parecer posição contrária à ADC 51, justificando que a aplicativos com sede no exterior devem obedecer à legislação brasileira.
Conforme a ata aprovada no dia 27 de abril, os conselheiros do CGI entenderam que era necessária a participação da entidade em uma próxima audiência no STF. Porém, não chegaram a um consenso sobre qual posição o Comitê deverá adotar – enquanto alguns defendiam uma postura mais técnica, sem tomar partido, outros entenderam que seria necessário se posicionar para defender o artigo 11 do Marco Civil da Internet, que já trata das requisições de dados em ordem judicial.
Ficou acertada a elaboração de um rascunho inicial sobre o tema, que será circulado entre conselheiros do Grupo de Trabalho de Relacionamento com Poder Judiciário, que é composto pelos conselheiros Demi Getschko, Eduardo Parajo, Flávia Lefèvre, Luiz Fernando Martins Castro (designado como coordenador), Marcos Dantas Loureiro, Otávio Luiz Rodrigues Júnior, Tanara Lauschner e Thiago Tavares Nunes de Oliveira. Obtido um consenso no GT, o documento será encaminhado ao pleno do Comitê para a aprovação.
O STF já aceitou como amicus curiae na ADC 51 o Facebook, o Yahoo, o Instituto de Referência em Internet e Sociedade (Iris) e a Sociedade de Usuários de Tecnologia (Sucesu Nacional).
Subsídios
Para esclarecer o tema, o Comitê recebeu participação de representantes do Ministério Público Federal e do Ministério da Justiça, que justificaram ser contra a aplicação generalizada do acordo de assistência judiciário-penal entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos, o Mutual Legal Assistance Treaty (MLAT), argumentando que tal medida adicionaria burocracia e dificultaria a obtenção dos dados. Defendendo a aplicação do tratado estavam representantes da Assespro, incluindo o ex-ministro do STF e advogado da entidade, Carlos Ayres Britto.
A posição do MPF é de que a argumentação das empresas se baseia em "premissas equivocadas e contraria a legislação pátria frontalmente". Isso porque o Código de Processo Civil estabelece que o Judiciário tem jurisdição sobre empresas brasileiras e também estrangeiras com agência, filial ou sucursal no País. E que a legislação internacional reconhece essa mesma regra de jurisdição.
Diz ainda que o artigo 11 do Marco Civil não deveria ser interpretado apenas com aplicação "em parte" para a preservação do sigilo, e que por isso a obtenção de dados deveria ser seguido o processo de cooperação internacional. No entender do MPF, não é possível impor limites à regra de jurisdição do artigo 11 justamente porque o dispositivo estabelece "de forma bastante incisiva" que a legislação brasileira deverá ser respeitada quando uma das atividades ocorrer em território nacional, e que a forma de obtenção é tão importante quanto a guarda. O MLAT, portanto, só deveria ser usado se o Judiciário brasileiro não tiver jurisdição sobre a prova. Alega também que há "aspecto ilógico" da defesa de jurisdição aplicável "apenas quando a matriz estrangeira da empresa brasileira entender cabível".
A nota técnica da Procuradoria-Geral da República também é contra a aplicação do MLAT nesses casos, afirmando que o local da sede da empresa ou do armazenamento de dados não pode determinar a jurisdição. Cita o regulamento geral de proteção de dados da União Europeia, o GDPR, que também assegura jurisdição ao país-membro sobre os dados nele recolhidos. "Admitir que o Brasil, país que está na vanguarda da questão, somente tem meia jurisdição sobre dados de provedores de Internet recolhidos no Brasil a partir de serviços oferecidos no Brasil, excluindo-se o conteúdo, vai na contramão da comunidade internacional", declara. Afirma que, como consequência, "seria rasgado o Marco Civil da Internet", e que deixar o MLAT como única opção em investigações criminais inviabilizaria esses processos.
O Ministério da Justiça também discordou da aplicação do acordo bilateral anglo-brasileiro para qualquer investigação. Alegou que isso dificulta a obtenção de dados, uma vez que apenas 22,5% dos pedidos aceitos pela justiça dos EUA, que levam em média 13 meses para atender às requisições.
Por outro lado, a Assespro defende que o MLAT deve ser entendido como um complemento ao Marco Civil da Internet, reiterando que defende a lei. Diz ainda que em investigações de crimes mais graves como pedofilia, ameaça à vida e sequestros, por exemplo, é possível a troca de informações de forma automática, pois é uma exceção expressa da lei. "O afastamento da aplicabilidade, por pretensos fundamentos constitucionais, dos mecanismos de cooperação jurídica internacional, como é o caso do MLAT, além de indevidamente afastar a constitucionalidade do Decreto 3810/2001, não ameaça em nenhum momento a soberania nacional. Pelo contrário, esta lei que institui a cooperação internacional, negociada pelo Executivo e aprovada pelo Congresso dentro do rito previsto, é a expressão desta soberania", afirmou em comunicado o advogado do caso e ex-ministro do STF, Carlos Ayres Britto.
Segundo a Assespro, há casos em que o MLAT é obtido em dez dias. E que o acordo está incorporado à legislação brasileira, e que é necessário pensar no dispositivo como uma via de duas mãos, com reciprocidade.
Fonte: Teletime News de 2 de maio de 2018, por Bruno do Amaral.
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