Neste dia 29 de junho a privatização do sistema estatal de telecomunicações completa 20 anos. Foi o marco de uma mudança dramática no modelo setorial, iniciada ainda em 1995 com a reforma constitucional que tirou do Estado o monopólio dos serviços de telecom. A despeito de inúmeros problemas que o setor teve ao longo deste período, desde escândalos de corrupção e gestão temerária das empresas em benefício dos acionistas até crises graves de qualidade dos serviços oferecidos, o fato é que hoje a conectividade e os serviços são infinitamente melhores e mais baratos do que aqueles de duas décadas atrás. Obviamente, as tecnologias evoluíram e isso, por si só, traria melhorias, mas é preciso lembrar que entre todos os serviços de infraestrutura, telecom é o único que se modernizou, tornou-se substancialmente diferente do que era e demandou mais investimento do que todos os demais. A Internet móvel e as redes de banda larga, por exemplo, nasceram e evoluíram todas já no ambiente pós-privatização. Os acessos fixos de telefonia foram de 8,4 milhôes a 41 milhões, com um pico histórico no período de 45 milhões em 2014. Os acessos móveis foram de 7 milhões para 236 milhões. TV paga foi de 2,5 milhões para 18 milhões, com um pico histórico de 19,5 milhões. A banda larga fixa inexistia em 1998, assim como os acessos móveis à Internet. As redes de dados eram limitadas a usuários corporativos, e o acesso das pessoas físicas à Internet era por linha discada. Hoje, 30 milhões de assinantes utilizam a banda larga fixa, e há 206 milhões de acessos móveis, dos quais 112 milhões em 4G, em cerca de 4 mil municípios. Estes números de acessos só existem porque existe uma relevante infraestrutura por trás dos serviços, que tem possibilitado o desenvolvimento de toda a economia digital atrelada ao mundo da banda larga. Essa é a parte boa destes 20 anos.
A parte ruim desta história é que uma parcela significativa da população está ficando para trás, como estava esta mesma população alijada dos serviços de telefonia fixa em 1998. Não é pouca gente. Segundo a última pesquisa TIC nos Domicílios, produzida pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) e anunciada esta semana, 29% dos domicílios estão desconectados no Brasil, número que mais ou menos bate com os dados do IBGE. Esse número é parcialmente compensado pelo acesso móvel e por acesso à Internet nos ambientes de trabalho, pegando o WiFi do vizinho ou onde houver uma rede aberta. Ainda assim, o Brasil tem uma dívida gigantesca com boa parte da sua população que não tem as condições mínimas de conectividade que habitantes de grandes cidades têm, para não falar nas limitações de preços de serviços que também inviabilizam o acesso de melhor qualidade a quem não tem renda.
Não é de hoje que sabemos desse gap digital. Fala-se no assunto desde 2005, pelo menos. Inacreditavelmente, cinco governos diferentes nada conseguiram fazer em termos de políticas públicas para evitar o problema, ainda que esforços aqui e ali tenham surgido e recuado. A lógica fiscal da administração pública sempre abafou completamente qualquer possível lógica estruturante, ignorando os inúmeros efeitos positivos, inclusive econômicos, da massificação da banda larga. A realidade das contas das diferentes Unidades da Federação não permitiu que se entendesse que telecomunicações são essenciais na definição de alíquotas de ICMS razoáveis sobre os serviço, como prega a Constituição. Telecomunicações são vistas apenas como um gerador de caixa para os Estados brasileiros, não uma infraestrutura de desenvolvimento. Salvo raras e bem sucedidas iniciativas em que se trocou créditos de ICMS por infraestrutura, mais de um terço do valor da conta de serviços de telecom vai para o Estado. No México, o IVA é de 16%, por exemplo.
Ao longo destes 20 anos, nenhum partido ou candidato a nenhum cargo Executivo, quanto mais à presidência, colocou telecomunicações ou serviços de comunicação como plataforma prioritária para o desenvolvimento. Em 2018, as menções até aqui estão modestas (apenas os candidatos Ciro e Amoedo referem-se rapidamente ao tema), quando o mundo inteiro coloca a agenda digital como prioridade.
Setorialmente, também houve pouca proatividade. As históricas reivindicações de redução de carga tributária e uso dos fundos públicos são justas, mas não suficientes. Modelos de negócio alternativos, ações integradas entre todas as operadoras, compromissos firmes de expansão de infraestrutura e serviços populares em troca destes benefícios nunca foram colocados na mesa.
Os ajustes regulatórios e legais que poderiam ter sido feitos foram procrastinados. O debate sobre uma mudança na Lei do Fust para permitir o seu uso para banda larga e serviços móveis está travado no Congresso desde 2007. Os leilões de espectro foram tímidos nas metas de cobertura, quase sempre maximizados para os resultados financeiros. A revisão do modelo de telecomunicações, que começou para valer em 2015 no Congresso, está parada há um ano e meio no Senado, consequência de uma falta de articulação política, busca de consenso social e uma falha brutal de posicionamento do próprio setor.
A maior prova de que o modelo de telecomunicações bateu no muro do ponto de vista regulatório é que a Anatel não sabe o que fazer com cerca de R$ 3,7 bilhões de sobras de metas de universalização passadas. As empresas disputam esse número, falam em R$ 3,3 bilhões. Mas mesmo assim, reconhecido o saldo A ou B, não há onde colocar esse dinheiro dentro do modelo atual. Enquanto isso, 30% dos domicílios seguem sem banda larga fixa, por exemplo, e o Brasil tem menos antenas de celular do que a Espanha, apenas para ficar em alguns exemplos
É lugar comum dizer que depois de 20 anos, o modelo precisa mudar. Mais apropriado é dizer que isso deveria ter acontecido há pelo menos 10 anos, mas está cada vez mais claro que não dá mais para esperar que o governo, qualquer que seja, tome essa iniciativa. Com todos estes problemas, pode-se dizer com segurança que estejamos mais bem servidos hoje do que há duas décadas e que o caminho que nos trouxe até aqui teve mais acertos do que erros. Só que a conectividade e massificação dos serviços de comunicação digitais nunca foram tão vitais para que o Brasil e sua população possam participar ativamente das transformações econômicas, sociais e geopolíticas que o mundo vive. E, inversamente, o setor de telecomunicações nunca pareceu tão distante do centro do debate.
Fonte: Teletime News de 27 de julho de 2018, por Samuel Possebon.
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