A polêmica em torno da obrigatoriedade de as operadoras de TV por assinatura via satélite (DTH) serem obrigadas a carregar sinais de TV aberta ganhará um novo capítulo nesta quinta, dia 13, na reunião do Conselho da Anatel. O conselheiro Igor Freitas, que pediu vista sobre o processo, originalmente relatado pelo conselheiro Marcelo Bechara, pedirá que a área técnica refaça as contas que embasaram o voto do relator. Se a sugestão de Freitas for acatada pelos demais conselheiros, será um interessante caso de revisão completa da análise de impacto regulatório.
A questão tem dois componentes: um jurídico e um econômico. Freitas, em essência, concorda com a tese jurídica do conselheiro Marcelo Bechara, de que o must-carry (obrigação de carregamento) seguirá existindo mesmo no ambiente da TV digital plena, ou seja, depois que os sinais analógicos forem desligados. Bechara propôs mudar o Regulamento do Serviço de Acesso Condicionado (SeAC) para que as operadoras de DTH, ao optarem por levar sinais locais de uma determinada emissora, permitam, por meio de um receptor externo ou com a chamada caixa híbrida (que receba os sinais de TV aberta e de TV paga), ou qualquer outra solução técnica, que todos os sinais das demais geradoras locais também sejam recebidos, criando uma condição de isonomia entre os canais abertos. O problema está no lado econômico da proposta. Bechara, em seu voto, estima que é possível absorver a necessidade de instalação dessas caixas dentro da dinâmica de crescimento do mercado.
O cronograma escalonado proposto pelo conselheiro Marcelo Bechara prevê que, em até dois anos, os municípios com mais de 1 milhão de habitantes serão atendidos. Ou seja, se nessas localidades uma determinada operadora levar em seu line-up algum sinal local de TV aberta, em dois anos todos os sinais locais precisarão estar disponíveis. Um detalhe importante: apesar do cronograma considerar patamares de população, a contagem deve incluir todos os municípios cobertos por aquela geradora local, o que significa que regiões metropolitanas, por exemplo, contam como um município só. O segundo degrau é para regiões com mais de 500 mil habitantes, que devem ser atendidos em três anos; depois, 100 mil, a serem atendidos em quatro anos; e os demais em até cinco anos.
Contas divergentes
O gabinete do conselheiro Igor Freitas fez as contas e chegou a resultados que trazem um impacto muito maior do que o estimado por Bechara para as operadoras de TV paga, mais próximos daqueles apontados por um estudo de impacto econômico apresentado pelas operadoras de TV por assinatura. Segundo o estudo setorial, haveria um custo para as operadoras de R$ 2,4 bilhões para adotar a solução híbrida. Para o gabinete do conselheiro, que chegou a números parecidos, o prazo para que isso seja absorvido pelo mercado seria de mais de cinco anos, no melhor cenário.
O assunto foi abordado na última edição do Congresso da ABTA, realizado no começo do mês. Para as empresas do setor, adicionar mais essa variável de custo em um momento em que o mercado de TV paga está com o crescimento estagnado, e com alguns estados (Rio Grande do Sul, Distrito Federal e Mato Grosso) aumentando o ICMS em 50% a partir de janeiro, seria praticamente sacramentar a falta de crescimento pelos próximos anos. Durante a ABTA 2015, Freitas reiterou que estava mais preocupado com a variável econômica do que com a discussão jurídica, já que no entendimento do conselheiro não há o que se discutir sobre a aplicabilidade da regra de must-carry no ambiente digital.
E há outras variáveis em jogo: com um ritmo de crescimento mais lento, a reciclagem natural da base de receptores se tornaria mais lenta, o que implicaria a necessidade de desembolso imediato por parte das operadoras em uma caixa híbrida.
Além disso, o desligamento da TV analógica permite que as emissoras de TV cobrem pelo carregamento de seus sinais, adicionando um novo custo às operadoras de TV paga. Hoje, a TV Globo já comercializa seus sinais para algumas operadoras de TV paga e SBT, Rede TV e Record pediram ao Cade autorização para formar uma joint-venture, por onde planejam comercializar seus canais compartilhando a estrutura de vendas. A Sky e a própria ABTA foram aceitas como partes interessadas nesse caso pelo Cade.
Além disso, as análises econômicas do conselheiro Igor Freitas consideraram que essa caixa híbrida terá que permitir o bloqueio dos sinais abertos (ou seja, não pode ser um mero sintonizador), precisará ser integrada ao guia de programação e virá acompanhada de um custo de operação, já que será necessário instalar e dar manutenção a antenas de UHF e cabeamento externo. Tudo isso significa um custo maior do que o originalmente estimado pela área técnica da Anatel. Daí o pedido de diligência para que as discrepâncias nas contas sejam explicadas.
Do lado dos radiodifusores, a questão é essencialmente concorrencial. Hoje, a TV Globo tem negociado com algumas operadoras de TV por assinatura o carregamento de suas afiliadas locais. Outras emissoras querem as mesmas condições para suas afiliadas, ou, no mínimo, a garantia de que não deixariam de ser carregadas compulsoriamente.
Fonte: Teletime News de 12 de agosto de 2015, por Samuel Possebon.
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