terça-feira, 15 de julho de 2014

Leilão de tecnologia 4G pode se tornar 'bônus fiscal'

Diante da dificuldade crescente para cumprir a meta de superávit fiscal do ano, o governo decidiu abrir mão de boa parte das exigências de investimentos que seriam impostas aos vencedores do leilão da quarta geração de celular (4G), marcado para este ano. Além disso, a equipe econômica estuda a criação de uma linha de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para garantir que esses recursos sejam convertidos em "bônus fiscal" para 2014.
Com a nova linha de crédito, as operadoras que comprarem as licenças vão poder fugir dos custos do parcelamento oferecido pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). O edital, que deverá sair esta semana, exige o pagamento à vista de 10% e o restante em seis parcelas anuais a partir do terceiro ano de contrato, atualizadas pelo IGP-DI e pelo juro de 0,5%.
O financiamento pretendido pelo governo ainda não tem volume e taxas definidas. A ideia é tornar a oferta de crédito tão atrativa quanto às oferecidas aos vencedores dos leilões de concessão de rodovias. Uma fonte da Anatel informou ao Valor que outra vantagem do financiamento do BNDES é que ele será contabilizado no balanço das empresas como investimento. No caso do parcelamento da Anatel, entraria nas contas das empresas como uma dívida.
A necessidade de compensar a queda das receitas desde o início do ano fez com que o preço mínimo das licenças ficasse entre R$ 7 bilhões e R$ 8 bilhões, conforme estimativas que circulam no setor. Porém, como as metas de investimento em infraestrutura de rede foram reduzidas, o governo conta com a disputa agressiva das empresas e uma arrecadação significativamente maior. A expectativa é que a competição entre as operadoras leve o valor de venda das licenças para o patamar superior a R$ 12 bilhões.
Se as prestadoras recorressem ao parcelamento da Anatel, o Tesouro Nacional contaria este ano com apenas R$ 1,2 bilhão, correspondentes aos 10% exigidos do pagamento à vista. Então, o esforço de excluir as obrigações do edital, na prática, seria em vão para o exercício fiscal de 2014.
As metas previstas inicialmente incluíam, por exemplo, a cobertura de celular em todas as rodovias federais, a antecipação de obrigações fixadas no passado em leilões da tecnologia de celulares da terceira geração (3G) e prazo para implementar redes de serviços com prioridades nas cidades com maior densidade demográfica.
Antes das mudanças, o leilão chegou a ser considerado o ponto central da estratégia do governo de impulsionar a instalação de fibras ópticas. O plano propunha levar essas redes de alta capacidade de tráfego de dados à grande parte de centrais telefônicas pelas quais as operadoras chegam até à proximidade das casas de clientes.
O potencial de aproveitamento desse leilão é decorrente das características técnicas das transmissões de sinal pela faixa de 700 megahertz (Mhz). Essa frequência permite uma cobertura maior com um número menor de antenas, o contrário do que é percebido na tecnologia 4G na faixa de 2,5 gigahertz (Ghz), licitada em 2012.
As obrigações que prevaleceram no edital vão garantir a convivência dos novos serviços com as transmissões da TV aberta, que já ocupam a faixa de 700 Mhz. As estimativas da Anatel preveem desembolsos de R$ 4 bilhões a R$ 5 bilhões para garantir a instalação de filtros anti-interferência, a realocação de canais das emissoras e a compra de receptores de TV digital a serem distribuídos à população de baixa renda até o desligamento do sinal de TV analógica. Esse custo serviu para reduzir a previsão de preço mínimo das licenças 4G.
A aceleração do processo de digitalização da televisão foi uma das diretrizes do governo para o leilão. É justamente esse processo de otimização do uso de frequências, que foi chamado em outros países de "dividendo digital", que no Brasil tem sido apontado nos bastidores como o "dividendo fiscal", em função do seu aproveitamento para garantir o saldo positivo das contas públicas.
Há anos o setor se queixa da postura do governo de reter recursos do setor que poderiam ser investidos em infraestrutura de rede, mas vêm sendo usados para engordar o caixa do Tesouro. Até então, as críticas estavam restritas ao contingenciamento histórico de quase a totalidade dos recursos do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel) e do Fundo de Universalização das Telecomunicações (Fust).
O edital poderá ser aprovado na quinta-feira pelo conselho diretor da Anatel. Atualmente, a agência tem trocado as últimas informações com o Tribunal de Contas da União (TCU) para fechar os preços mínimos. O órgão de controle tem se debruçado sobre projeções de receitas e investimentos em rede e custos de contenção das interferências e digitalização das TVs. Dois critérios tornaram as novas licenças 4G mais valorizadas no leilão, que são o uso para cumprir metas de leilões anteriores e a oferta de multisserviços (celular, telefonia fixa e internet).

Fonte: Jornal O Valor Econômico de 15 de julho de 2014, por Rafael Bitencourt e Leandra Peres

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