A questão dos bens reversíveis tem sido um assunto tão complexo dentro da Anatel que mesmo casos em que um imóvel não é classificado como reversível pela concessionária, a própria fiscalização da agência constata que não é utilizado para a prestação do serviço de telefonia fixa e que sequer é utilizado para algum tipo de atividade comercial da empresa conseguem permanecer enrolados por anos na tramitação da Anatel. Por exemplo, um terreno vazio de que uma concessionária queira dispor. Tudo indica que esse tipo de caso pode começar a mudar. Na última reunião do conselho diretor, o conselheiro Leonardo Euler de Morais colocou em pauta um processo da Oi de 2013, em que a empresa pedia o direito de dispor de um terreno de cerca de 70 mil metros quadrados na Estrada Velha de Amparo, em Nova Iguaçu/RJ. Não há nada no imóvel, a não ser um galpão em ruínas que ocupa 1/70 da área do terreno. Trata-se de um caso tão emblemático, para a Oi, quanto o caso da Martiniano de Carvalho foi para a Telefônica. E o desfecho deste caso terá impacto no entendimento da agência sobre a questão dos bens reversíveis. O voto do conselheiro relator Leonardo Euler já foi apresentado, mas o caso teve vista solicitada pelo presidente Juarez Quadros.
O voto, contudo, pode trazer uma mudança bastante significativa na forma como o conselho trata esse tipo de caso, se for seguido pelos demais conselheiros. Euler de Morais foca sua argumentação no enfrentamento de todas as teses que poderiam sustentar a necessidade de preservação deste tipo de patrimônio pela concessionária como forma de garantir a continuidade dos serviços. O conselheiro relator lembra, por exemplo, que não faz sentido querer preservar hoje uma determinada condição econômica da concessão sendo que, em 2025, quando terminam os contratos, as condições de mercado, tecnologia e competição serão necessariamente outras.
Nos últimos anos, sobretudo após o Despacho nº 2.262/2012 (decorrente da Análise nº 131/2012 do ex-conselheiro rodrigo Zerbone), a agência passou, como regra, a tratar como reversível praticamente qualquer imóvel, por entender que o patrimônio representado pelo bem, mesmo que imobilizado, também seria essencial à saúde financeira da concessão. No começo deste ano, a Anatel derrubou o despacho que trazia estas diretrizes e passou a usar como balizador para a definição de bens reversíveis apenas aquilo que a lei prevê e o regulamento atual, ou seja, bens essenciais à prestação do serviço de STFC. Ao mesmo tempo, foi orientada uma aceleração na revisão do regulamento de bens reversíveis. Ficou no ar se a análise de casos sobre este tema teria ou não aguardar esse novo regulamento.
A análise do conselheiro Euler de Morais sobre o caso da Estrada Velha de certa forma se antecipou a este debate. Se aprovado, poderá ser a primeira interpretação a partir de um novo balizador, iniciando assim uma nova jurisprudência sobre a questão dos bens reversíveis mesmo antes do novo regulamento. Outros casos semelhantes estão na pauta de outros conselheiros, razão pela qual Juarez Quadros pediu vista do caso da Estrada Velha: buscar uma uniformização dos futuros entendimentos, com repercussão mais ampla. Quadros também já manifestou, na reunião que discutiu o caso da Martiniano de Carvalho, que pretende esperar um novo Regulamento de Bens Reversíveis para aparar possíveis arestas sobre o tema. A expectativa da agência era elaborar esse novo regulamento ainda este ano.
Discussão já
Leonardo Euler de Morais, em seu voto, entende que é possível decidir já, caso a caso, com base no regulamento atual. Uma das polêmicas abordadas em seu voto é se a venda de patrimônio da concessionária não deveria ser revertido nas tarifas. Ele entende que não cabe em falar em assegurar modicidade tarifária, até porque não existe em telecomunicações este instrumento, e sim em "tarifas acessíveis" e "razoáveis". Euler defende em seu voto que o patrimônio, mesmo que gere renda, não precisa ser mantido pela concessionária. Aponta inclusive que a empresa, pelo bem da concessão, deve buscar o equilíbrio ótimo do seu ativo imobilizado, pois isso se traduz em ganhos de produtividade, que ao final reduzem as tarifas ao consumidor.
Leonardo Euler traz uma análise claramente funcionalista da questão dos bens reversíveis, contrapondo ao longo do seu voto os argumentos que pudessem justificar a preservação do patrimônio não-reversível. Para Leonardo Euler, tampouco existe o risco de "despatrimonialização" da concessionária pois os pedidos de alienação e disposição dos bens acontecem em processos separados que serão analisados individualmente. Este risco é uma das questões trazidas pela procuradoria da Anatel e também pela equipe técnica da Superintendência de Controle de Obrigações. Para o conselheiro, não há figura jurídica que dê ao Estado o poder de tutelar sobre os bens não-reversíveis.
Ele também lembra que mesmo considerando o fato de que a Oi é uma empresa em recuperação judicial, o próprio Plano de Recuperação prevê a alienação de ativos como forma de capitalizar a empresa. "Considerando o cenário fático e as preocupações regulatórias concernentes às perspectivas operacionais do conjunto de empresas integrante do Grupo Oi, entendo haver maturidade regulatória suficiente para que se compreenda de que uma abordagem dogmática e absolutista sobre o instituto da reversibilidade não é a melhor fiadora da continuidade da prestação dos serviços. É a efetiva realização de investimentos, aspecto indissociável da gestão eficiente dos bens, que melhor endereça o objetivo de 'garantir, a toda a população, o acesso às telecomunicações, a tarifas e preços razoáveis, em condições adequadas', nos termos do art. 2º da LGT", diz o voto. Ainda não há previsão de quando o assunto será retomado pelo conselho.
Fonte: Teletime News de 14 de março de 2018, por Samuel Possebon.
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