quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Ministério Público reafirma ao Supremo: políticos não podem ser radiodifusores

Mais uma vez, o Ministério Público Federal se posicionou contra a possibilidade de que deputados federais e senadores dirijam ou sejam acionistas de empresas de radiodifusão. Em manifestação da Procuradora Geral-Federal Raquel Dodge ao Supremo Tribunal Federal de 18 de dezembro, no âmbito da ADPF 429/18, o MPF é contundente no sentido de interpretar a Constituição como um obstáculo intransponível para que políticos com cargos eletivos mantenham relações societárias com emissoras de TV e rádio. "(…) Preceitos constitucionais são desrespeitados quando o serviço de radiodifusão não é prestado de forma adequada, o que ocorre quando titulares de mandato eletivo figuram como sócios ou associados de pessoas jurídicas que exploram esse serviço público. Potencial risco de que se utilizem dos canais de radiodifusão para defesa de interesses próprios ou de terceiros, em prejuízo da escorreita transmissão de informações, constitui grave afronta à Constituição brasileira", disse a procuradora em seu parecer, que analisa as implicações principalmente do artigo 54 da Constituição Federal, onde a vedação de controle de concessões públicas está explicitada.

A Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) foi aberta pela própria presidência da República e tem a ministra Rosa Weber como relatora. O então presidente Michel Temer buscava inicialmente uma cautelar e manifestação do Supremo contra decisões de primeira instância geradas por ações movidas pelo Ministério Publico a partir de representações da sociedade civil. Estas ações locais questionavam, individualmente, controles de determinadas emissoras por políticos. Rosa Weber já havia recusado o pedido de cautelar da presidência da República, mas o julgamento de mérito ainda dependia da manifestação do Ministério Público Federal, o que aconteceu agora.

Não é a primeira vez que o MPF se manifesta sobre o tema junto ao Supremo. O ex-procurador geral Rodrigo Janot já havia se manifestado, de maneira quase idêntica, em outras duas ADPFs que tramitam no STF sob a relatoria de Gilmar Mendes. Estas duas outras ações, propostas pelo PSOL e tendo o Intervozes e outros coletivos como participantes (Amici Curiae), questionam em sentido amplo o controle de emissoras de rádio e TV por parlamentares. Foram ações ingressadas em 2011 e 2015, abrangendo aquelas respectivas legislaturas. Em 2015, por exemplo, havia, segundo levantamento do Intervozes, 32 deputados federais e 8 senadores como controladores ou acionistas de empresas de radiodifusão. Para a nova legislatura que se inicia em 2019, a tendência é que haja uma nova ação nos mesmos termos. Segundo reportagem do jornal Folha de S. Paulo de dezembro, há pelo menos cinco senadores eleitos e 20 deputados vinculados a emissoras de rádio e TV.

Pronto para voto

Com a manifestação do Ministério Público de dezembro, tanto as duas ações sob a relatoria de Gilmar Mendes quanto a ação com Rosa Weber estão prontas para serem julgadas, faltando apenas serem pautadas. Pelo menos no caso da ministra Rosa Weber, seu histórico de decisões seria coerente com uma decisão que definitivamente impedisse deputados e senadores de gerirem ou serem acionistas de empresas de radiodifusão. Mas a manifestação do MPF traz ainda manifestações do ministro Luiz Barroso na mesma linha.

Segundo Bia Barbosa, uma das articuladoras do Coletivo Intervozes, a estratégia de questionamento individual de emissoras de rádio e TV nos Estados por conta de vínculos com políticos com mandatos eletivos também tem dado resultados positivos à tese. Segundo a coordenadora, o entendimento do Ministério Público tem sido exatamente o mesmo em todos os casos e existe, hoje, praticamente um consenso no MPF em relação a esta questão. "As ações também têm reconhecido o nosso pleito. Nos casos em que elas não prosperaram é porque os parlamentares saíram da sociedade nas empresas, mas em nenhum momento a Justiça manifestou entendimento diferente", diz Bia Barbosa. Ou seja, pelo menos no Ministério Público Federal e nas instâncias inferiores, o entendimento de que políticos não podem ter vínculos com o setor de radiodifusão é cada vez mais cristalizado.

Teses

A manifestação da procuradora Raquel Dodge na ADPF 429 rebate a tese defendida pela presidência da República e que tem sido endossada pelas manifestações da Câmara, do Senado, do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (que trata do tema) e da Advocacia Geral da União: ainda que a Constituição vede em seu artigo 54-I-a que deputados e senadores firmem ou mantenham "contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público", isso não impede que eles sejam acionistas. Para o MPF, contudo, "pessoas jurídicas controladas ou compostas por detentores de mandato parlamentar podem interferir e de fato interferem, na medida do interesse de seus sócios e associados, na divulgação de opiniões e de informações e impedem que meios de comunicação cumpram seu dever de divulgar notícias e pontos de vista socialmente relevantes e diversificados e de fiscalizar o exercício do poder público e as atividades da iniciativa privada". Haveria, portanto, uma violação do princípio da liberdade de expressão também previsto na Constituição.

Raquel Dodge escreve ainda em seu parecer que a manutenção de vínculos societários de emissoras de rádio e TV com políticos com mandato cria uma assimetria no processo eleitoral. "Não deve o próprio estado criar ou fomentar tais desigualdades, ao favorecer determinados partidos ou políticos por meio da outorga de concessões, permissões e autorizações de serviço público, em especial de um relevante como a radiodifusão. Essa prática viola os princípios da isonomia e do pluralismo político".

Para o Ministério Público Federal, "o regime democrático e representativo pressupõe liberdade na formação da vontade política do estado e livre concorrência entre os partidos. O princípio da democracia constitucional garante-se, entre outros, por meio das diversas formas de participação popular e de representação política dos vários pontos de vista ideológicos presentes na sociedade nos processos de produção de leis e demais decisões jurídico-políticas". O parecer sustenta ainda que o poder de influência conferido pela radiodifusão também pode ser utilizado por prestadoras do serviço para favorecimento pessoal de seus sócios ou associados ao longo do mandato eletivo e do processo eleitoral, influenciando a opinião pública a favor ou contra candidatos.

Segundo o Ministério Público, há outros casos já julgados pelo Supremo e que construíram o entendimento de que "tanto a possibilidade de manipulação do resultado para favorecer empresa controlada por parlamentar, quanto o risco de utilizar influência política no certame, por si, justificam a proibição constitucional sobre a outorga de serviços de radiodifusão". A partir destes casos, o MPF traz a manifestação de diversos ministros do Supremo sobre o tema, incluindo Rosa Weber, Barroso e o próprio ministro Gilmar Mendes.

Para Bia Barbosa, do Intervozes, o indeferimento da liminar pedida pela União para que as ações nos tribunais inferiores fossem suspensas já mostrava que o governo teria dificuldades de ver a sua tese acolhida, o que se reforça ainda mais com esta nova manifestação do Ministério Público Federal. "Agora aguardamos os relatores, o ministro Gilmar Mendes e a ministra Rosa Weber, para que as ações entrem em pauta para julgamento", diz ela. Para Bia Barbosa, apesar de serem ações separadas, é possível que o Supremo opte por julgar todas de uma vez até pra que se construa um entendimento geral. "(A posse de emissoras por políticos) é uma prática ilegal e inconstitucional que se perpetua há décadas e que atinge não apenas a esfera de deputados federais e senadores, mas outros políticos com cargos eletivos", diz ela, sinalizando que a mobilização nas justiças estaduais também deve ser mantida. A íntegra da manifestação do Ministério Público pode ser lida aqui.

Fonte: Teletime News de 16 de janeiro de 2019, por Samuel Possebon.

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