A chamada "Missão 5G", viagem organizada pelo Ministério das Comunicações aos EUA e que ocorreu esta semana, teve desde o início propósito conhecer modelos e iniciativas de redes seguras. Esta tem sido uma das principais bandeiras do ministro Fábio Faria e é parte da política pública editada pelo MCom para balizar o edital de 5G. O governo quer que o edital viabilize a construção de uma rede de telecomunicações privativa para uso governamental e que seria, supostamente, segura, podendo ter inclusive restrição de fornecedores que não atendam a determinados critérios de governança. O ministro já deu declarações que esses critérios poderiam excluir a Huawei, ainda que este veto não esteja oficializado até o momento.
Na Missão 5G, a delegação brasileira, que contou com a participação de representantes da Abin e do Palácio do Planalto, visitou órgãos de segurança, mas como era de se esperar, pouco foi dito pelo ministro sobre estas conversas em suas redes sociais.
A exceção foi o encontro com o Departamento de Defesa dos EUA (DoD). Em um vídeo sem áudio produzido pelo próprio Ministério das Comunicações para divulgar o encontro com o órgão, é possível ver alguns detalhes da apresentação feita à delegação brasileira. TELETIME analisou cuidadosamente as imagens e a partir delas deduziu o provável conteúdo do único slide que ficou visível, que aparentemente é o primeiro da apresentação dos norte-americanos. Ainda assim, é um documento interessante para se ter uma ideia do tom da conversa e de seu conteúdo. O texto que pode ser lido é o seguinte:
DoD 5G Initiative Overview
Reinvigorate the telecom leadership that is the foundation of the U.S. networked way of war
Objectives
– Advance U.S. & partners 5G capabilities – win at 5G technology (Accelerate & innovate)
– Heighten 5G security – win the 5G security fight (Operate through)
Accelerate 5G technology with at-scale
prototyping & experimentation
– DoD is anchor tenant for advanced applications – high end of value chain
– DoD helps commoditize RAN* via open interfaces (use US software excellence)
Operate Through non-secure networks
– Exclude where possible
– Make market manipulations irrelevant by working over untrusted networks
Innovate to win at 6G & beyond
Reinforce these thrusts with standards activity and international partnerships
Em tradução e interpretação livres do conteúdo (já que não foi divulgada a íntegra da palestra), a iniciativa do Departamento de Defesa em relação ao 5G teria como propósito "revigorar a liderança em telecomunicações, que é a base do modo de guerra conectada dos EUA".
Os objetivos da iniciativa seriam ampliar as capacidades dos EUA e parceiros com 5G, vencendo a disputa tecnológica por meio da agilidade e inovação. Outro objetivo seria ampliar a segurança do 5G, "vencendo a briga de segurança no 5G" ("win the 5G security fight"), operando por meio dela.
A apresentação traz elementos que dão indícios da estratégia de aceleração dos EUA com 5G por meio de protótipos e experimentos de grande escala. Para isso, o Departamento de Defesa atuaria como uma espécie de "cliente principal" ("anchor tenant") de aplicações avançadas, criando uma cadeia de valor de alto padrão. O departamento de Defesa também ajudaria a comoditizar as tecnologias de RAN (Radio Access Network, ou rede de acesso móvel) por meio de interfaces abertas, "tirando benefício da excelência da indústria de software" norte-americana.
Nos casos de operações de 5G por redes não seguras, o que o DoD indica é evitar este tipo de rede sempre que possível. A apresentação fala de possíveis manipulações de mercado (possivelmente por meio do poder de mercado de determinados fornecedores) e sinaliza tornar esta variável irrelevante subjugando ("work over") redes não-confiáveis ("untrusted networks"). Lembrando que o termo "untrusted networks" era a expressão que a doutrina Clean Network, sustentada pelo governo Donald Trump, trazia em relação a redes que tivessem equipamentos de origem chinesa.
A apresentação fala em um esforço de inovação que segue para o 6G e vai além. E fala em reforçar esses pontos da iniciativa em atividades de padronização e parcerias internacionais.
Coerência
Este conteúdo deduzido por TELETIME é coerente com o discurso que tem sido adotado pelo governo norte-americano de fomentar o papel e a importância da adoção de padrões abertos, especialmente Open RAN. Seria uma forma de trazer empresas norte-americanas de volta ao centro dos debates tecnológicos do 5G e de permitir maior independência das operadoras em relação aos atuais fornecedores. Este tema, aliás, acabou dominando muitas das conversas da Missão 5G nos EUA e foi em diversas ocasiões destacada pelo ministro Fábio Faria em suas postagens em redes sociais.
Na mensagem final gravada após os encontros desta quinta, Faria destacou que a viagem foi positiva no debate sobre redes privativas: "conseguimos tirar muitas dúvidas que pairavam nas mentes dos auditores e técnicos de todos os ministérios"
É possível identificar como palestrante no momento da filmagem Joseph B. Evans, diretor principal para 5G do escritório de pesquisa e engenharia do DoD; Daniel Erickson, vice-secretário assistente de defesa para o hemisfério ocidental do Departamento de Defesa; Amanda Toman, diretora de 5G do escritório do diretor de defesa para pesquisa e engenharia do Departamento de Defesa; General Brigadeiro Frank Bradfield, vice-diretor para assuntos político-militares e estratégia para o Hemisfério Ocidental do DoD. Do lado brasileiro, Alexandre Ramagem, diretor geral da Abin; Almirante Flávio Rocha, secretário de assuntos estratégicos do governo; Raimundo Carreiro e Walton Rodrigues, ministros do TCU, os senadores Flávio Bolsonaro (Patriota/RJ) e Ciro Nogueira (PP/PI), o embaixador Nestor Foster Jr. e o ministro Fábio Faria.
Fonte: Teletime News de 10 de junho de 2021, por Samuel Possebon.
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