O Ministério da Justiça, em conjunto com os ministérios das Comunicações, Cultura e Ciência, Tecnologia e Inovação finalizaram uma proposta de regulamentação do Marco Civil da Internet, que está agora pendente da publicação do decreto da presidenta Dilma Rousseff. Como havia antecipado este noticiário, a proposta esvazia o papel da Anatel na regulação da relação entre provedores de conteúdos e de infraestrutura e detalha as exceções que podem ser entendidas como quebra da neutralidade. O decreto não deverá incluir restrições a planos com franquia de dados, como chegou a ser cogitado, mas trouxe um novo artigo colocando restrições que são entendidas pelo mercado como uma limitação a modelos de tráfego patrocinado e zero-rating, o que desagrada as empresas de telecomunicações e mesmo alguns provedores de conteúdos. A íntegra da proposta ser lida neste arquivo: Minuta_Decreto_MCI.
As mudanças são significativas entre a versão que foi colocada em consulta pública e a que foi finalizada agora. A começar pelo escopo do decreto, expresso em sua ementa inicial. Se antes a proposta era para "tratar das exceções à neutralidade de rede e indicar procedimentos para a guarda de dados por provedores de conexão e de aplicações", agora o decreto é muito mais amplo e visa "tratar das hipóteses admitidas de discriminação de pacotes de dados na internet e de degradação de tráfego, indicar procedimentos para a guarda e proteção de dados por provedores de conexão e de aplicações, apontar medidas de transparência na requisição de dados cadastrais pela administração pública e estabelecer parâmetros para a fiscalização e apuração de infrações".
Serviços especializados
O artigo 2 da proposta de regulamentação explicitou algo que não estava claro na versão em consulta: o que são os "serviços especializados, sobre os quais o disposto no regulamento não se aplica. Agora fica entendido que serviços especializados são aqueles "serviços otimizados por sua qualidade assegurada de serviço, velocidade ou segurança, ainda que utilizem protocolos lógicos TCP/IP ou equivalentes, desde que: a) não configurem substituto à internet em seu caráter público e irrestrito; e b) sejam destinados a grupos específicos de usuários com controle estrito de admissão". Isso poderia envolver serviços corporativos, serviços de IPTV, serviços de vídeo-sob-demanda e aplicações dedicadas a escolas, saúde e outras, por exemplo.
Ofertas comerciais
A proposta final do regulamento continua tratando das "ofertas comerciais e modelos de cobrança de acesso", mas agora este parágrafo não é mais parte do artigo que trata da discriminação e degradação de tráfego em função de requisitos técnicos". Essa possibilidade foi movida para um artigo específico, o artigo 10, que prevê que "as ofertas comerciais e modelos de cobrança de acesso à internet devem preservar uma internet única, de natureza aberta, plural e diversa, compreendida como um meio para a promoção do desenvolvimento humano, econômico, social e cultural, contribuindo para a construção de uma sociedade inclusiva e não discriminatória".
Discriminação excepcional
Já a parte que trata da discriminação ou degradação de tráfego ganhou um caráter de excepcionalidade. "A discriminação ou degradação de tráfego são medidas excepcionais, na medida em que somente poderão decorrer de requisitos técnicos indispensáveis à prestação adequada de serviços e aplicações ou da priorização de serviços de emergência", diz o texto. Os requisitos técnicos indispensáveis apontados são questões de segurança de redes e situações excepcionais de congestionamento. Nesses casos, a fiscalização e apuração desses casos é feita pela Anatel, mas consideradas as diretrizes estabelecidas pelo Comitê Gestor da Internet – CGI (como já estava na minuta colocada em consulta pública).
Acordos vedados
O regulamento do Marco Civil ganhou um artigo inteiramente novo para vedar "condutas unilaterais" ou "acordos entre o responsável pela transmissão, comutação ou roteamento e provedores de aplicação" nas situações que "I) comprometam o caráter público e irrestrito do acesso à Internet, bem como os fundamentos, princípios e objetivos do uso da internet no Brasil; II) priorizem pacotes de dados em razão de arranjos comerciais; ou III) privilegiem aplicações ofertadas pelo próprio responsável pela transmissão, comutação ou roteamento, ou por empresas integrantes de seu grupo econômico". Não ficou claro qual seria o alcance desta medida, se seria para barrar acordos de zero-rating ou uso patrocinado das redes. A exposição de motivos explica que o objetivo é limitar a inovação e a criação de barreiras de entrada artificiais. A chave da interpretação é entender o que será ou não comprometedor do caráter público da Internet, e quem irá regular isso.
Papel da Anatel
Na minuta colocada em consulta pública estava explícito que caberia à Anatel "regular os condicionamentos às prestadoras de serviços de telecomunicações e o relacionamento entre estes e os prestadores de serviços de valor adicionado". Já a versão final do regulamento não tem nenhuma referência a isso, dizendo que cabe à Anatel atuar " na regulação, fiscalização e apuração de infrações" nos termos da Lei Geral de Telecomunicações.
A versão que foi colocada em consulta pública também previa à Anatel o papel de "responsável pela fiscalização e apuração de infrações referentes à proteção de registros de conexão". Agora, a proposta final do regulamento do Marco Civil tirou da Anatel esta atribuição, que não foi dada a ninguém.
Dados cadastrais
Na parte referente a proteção de registros e dados pessoais, a nova versão do decreto do Marco Civil agora diz que "o provedor que não coletar dados cadastrais deverá informar tal fato a autoridade solicitante ficando desobrigado de fornecer tais dados ". Também passam a ser proibidas, no caso de solicitações, informações que não sejam individualizadas. Ou seja, não podem ser feitas requisições de dados, por parte das autoridades, que sejam "genéricos ou inespecíficos".
Dados mínimos
Outra novidade que não estava na consulta pública é que agora há um dispositivo prevendo que "os provedores de conexão e aplicações devem reter a menor quantidade possível de dados pessoais, comunicações privadas e registros de conexão e acesso a aplicações, excluindo-os tão logo atingida a finalidade de seu uso ou findo prazo determinado por obrigação legal". Também está estabelecido que os dados devem ser mantidos em formato "interoperável e estruturado", mas sem especificar o parâmetro técnico.
Fonte: Teletime News de 6 de maio de 2016, por Samuel Possebon.
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