Com a chegada dos serviços over-the-top (OTT), sobretudo os análogos aos tradicionais de telecomunicações e vídeo, a dinâmica do mercado mudou e, com ela, o impacto da regulação. Na visão de especialistas durante o 2º Seminário de serviços regulados vs. serviços não regulados, organizado pelo Centro de Estudos Sociedade e Tecnologia da Universidade de São Paulo (Cest/USP) nesta quinta, 6, a complexidade e ineditismo do tema exigem abordagem com cautela, uma vez que há uma relação de simbiose entre "animais" diferentes.
O professor da FGV-EDSP e consultor da Microanalysis Cleveland Prates acredita que a abordagem deveria ser a de evitar regular onde não há falhas de mercado, evitando-se a "assimetria informacional", ou a falta de contexto que pode acabar privilegiando uma parte em prejuízo do mercado. "Regular não é fácil, não é brincadeira, é complicado. Então pense bem antes de começar regras, faça análise de impacto regulatório, porque, se não, a chance de errar é imensa", declarou ele durante o seminário. Para ele, o regulador precisa ver a origem do problema para as teles, como custo regulatório extensivo, regras "não factíveis" de qualidade e carga tributária no setor.
Prates considera os dois lados se estimulam, uma vez que provocam e geram demanda para cada um. "As operadoras dizem que não têm como recuperar investimento, que as novas tecnologias sobrepostas à rede geram demanda muito grande e congestiona. A primeira pergunta que faço é: você tem a rede, quer que utilizem a rede, (mas) as pessoas só vão utilizar se houver interesse. Não é a rede que atrai as pessoas, mas o que utilizam", diz. Por outro lado, o acadêmico acredita que incentivos para teles passem por feriados regulatórios (citando o PGMC) e a adoção de novos modelos como a franquia em banda larga. "Se eu olhar para o consumidor e começo a recuperar o investimento por velocidade e quantidade etc, estou colocando incentivo correto, porque quem usa mais, paga mais, aí reduzo o quanto uso, se estiver custando mais para mim. Ao mesmo tempo, você favorece que mais produtos e serviços sejam ofertados e, por outro lado, oferece serviço para o consumidor e ele vai definir até quanto ele está disposto a gastar para usar a rede."
Não é hora ainda
Para o representante da Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA), Jonas Antunes, ainda há um "caminho enorme" em se tratando de qualidade de rede, distribuição de acesso e penetração da banda larga, e isso importa na discussão. "Já andamos um caminho ao longo dessa linha desenvolvimentista do setor suficientemente para assumir um novo entrante como OTT, por mais benefícios que tragam do ponto de vista de competição?", questiona. O ponto, alega, é que essas novas empresas não contribuiriam para o setor na realidade de infraestrutura de rede, ainda mais por já haver competição lateral entre outras teles. "Não que eu não esteja trabalhando para conseguir novas receitas nessa camada, mas o bom é saber se a equação está balanceada, se o saldo líquido é positivo", diz.
Antunes acredita ser improvável que as maiores OTTs, como Google e Netflix, queiram tentar entrar no mercado de telecomunicações no Brasil comprando operações ou infraestrutura "e mais a Anatel que vai vir junto com isso". Em particular com o Netflix, ele analisa que a tendência é que a empresa continue com a tendência de se fechar com conteúdo próprio. "Eu não investiria no Netflix, é prejuízo operacional e financeiro", avalia. No caso do mercado brasileiro, entretanto, ele ressalta a posição da própria ABTA: o "pior concorrente" ainda é a pirataria, com 18,8% do mercado da TV paga. "Esse é o problema e onde deveria ser o foco da regulação e intervenção estatal."
Regulação do século 21
Pelo lado das OTTs, o advogado sênior de relações regulatórias da Microsoft (e representando o serviço Skype), Jim Lamoureux, argumenta que a relação com as teles é simbiótica, já que realmente dependem uma da outra para continuar no mercado. "Não é um jogo de soma zero", explica. "Há 20 anos, quando começaram a oferecer acesso de Internet, (a concorrência) não foi vista como coisa ruim (para telefonia), porque dão pressão competitiva. Não são substitutos puros, mas dão competição e levam à inovação."
Lamoureux reclama, contudo, que as tentativas de regulação ex-ante para over-the-tops geralmente tomam como base leis antigas de telefonia, que por sua vez foram baseadas nas utilities,. "Esta (nova) separação de camadas requer um novo paradigma de agenda regulatória do século 21 para todos os serviços de comunicações", diz. "A ideia de 'mesmo jogo, mesmas regras' pode ser um objetivo, mas não deveria ser o primeiro; a regulação não deveria ser aplicada para novos (players) só porque foi aplicada para antigas, não é uma forma sólida econômica para um regime regulatório."
O representante do Skype acredita que na formulação da regulação, a filosofia de promoção de investimento deveria ser além da última milha de acesso, mas de todo o ecossistema de rede, incluindo as over-the-top. Na visão de Lamoureux, a regulação ex-ante deveria ser usada "apenas onde existe falha de mercado definida". A ideia seria usar abordagem ex-post baseada em três passos: objetivos sociais, como obrigações de prestar serviços de emergência em OTTs; identificação de quais serviços deveriam ser regulados; e promover a granulação para deixar o mais detalhado possível. "É um exercício complicado, é mais complicado do que a noção tradicional de definir a tecnologia e fazer regulação, mas acreditamos que esse seja o necessário para ter uma agenda regulatória sólida", declara.
Fonte: Teletime Nerws de 6 de outubro de 2016, por Bruno do Amaral.
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