A Anatel tem dito em diferentes manifestações sobre a cautelar imposta à Fox contra a oferta pela Internet de conteúdos lineares diretamente ao assinante que este é um caso único, mas com grande potencial de se multiplicar rapidamente pelo mercado, causando um desequilíbrio competitivo com as operadoras de TV por assinatura. A Anatel diz que precisa entender melhor o cenário, tanto que abriu uma coleta de subsídios até dia 15 de agosto, e por isso optou por congelar o cenário atual, o que seria um quadro de mais fácil reversão, impondo a cautelar. Mas a análise do que já é realidade no mercado mostra um cenário bem mais complexo.
Um levantamento feito por este noticiário mostra que existem outros casos, anteriores à cautelar, em que canais de TV paga lineares podem ser contratados sem a necessidade de uma operadora de TV por assinatura intermediando o processo.
O aplicativo PlayPlus, da Record, por exemplo, permite a contratação mediante assinatura no pacote de R$ 12,90 do canal Disney Jr. No pacote de R$ 32,80 é possível assinar os canais Disney e Disney XD, além dos canais ESPN, ESPN Brasil e ESPN 2. Todos eles estão em suas versões lineares e simultâneas (apenas com o delay normal de transmissões por streaming) ao que está sendo exibido na TV paga. Vale lembrar que hoje a Fox, que foi alvo da cautelar da Anatel, foi comprada pela Disney, controladora dos canais Disney e ESPN.
Já o portal UOL também oferece, por uma assinatura de R$ 21,90, os canais lineares da ESPN, além do Esporte Interativo Plus no pacote UOL Esporte Clube. No caso do IE Plus, é importante ressaltar que também houve uma denúncia da Claro contra o serviço, mas a Anatel entendeu que por se tratar de conteúdo esporádico, mesmo que ao vivo, não haveria indícios de caracterização como um serviço de TV paga. O UOL Esporte Clube foi lançado em abril de 2018, praticamente ao mesmo tempo dos serviços do Fox +.
Teles apostam no OTT
Além destes serviços que oferecem canais lineares por assinatura sem a intermediação de uma operadora de TV paga, as próprias operadoras de telecomunicações estão oferecendo, por meio de aplicativos (OTT), conteúdos de canais lineares, mas sem obrigatoriamente exigir uma assinatura de TV por assinatura. Os canais ESPN, assim como os canais Fox e Fox Sports, estão disponíveis, por assinatura, para assinantes dos serviços móveis e de banda larga da Oi e da Vivo. A Oi oferece ainda a possibilidade de contratação dos canais MTV e RTP. Os modelos variam. No caso da Vivo, a assinatura de cada serviço OTT pode ser feita individualmente, com cobrança em conta. No caso da Oi, além da cobrança individual por aplicativo, tanto para clientes de celular (SMP) quanto de banda larga (SCM), ainda é possível trocar créditos por estes serviços. As empresas têm dito publicamente que apostam no modelo de hub de conteúdos, inclusive lineares, mas no modelo OTT, razão pela qual não parecem apoiar a posição da Claro de exigir que a oferta de canais lineares seja feita dentro do Serviço de Acesso Condicionado.
A diferença destes casos para o que a Anatel analisou ao emitir a cautelar contra a Fox é que, no caso Fox, a programadora faz a comercialização direta, sem intermediários. Nos casos do PlayPlus e do UOL Esporte Clube, os intermediários são respectivamente a Record (dona do aplicativo PlayPlus) e o portal UOL, controlado pelo Grupo Folha. Nenhum deles é operador de telecomunicações nem têm outorga de Serviço de Acesso Condicionado. Estes serviços estão disponíveis desde 2018.
No caso das operadoras de telecomunicações Oi e Vivo, a comercialização dos aplicativos OTT dos canais se dá como Serviço de Valor Adicionado, sem que haja com os usuários um contrato de SeAC, apesar de as duas empresas terem também a oferta de TV por assinatura tradicional. Tanto os contratos de prestação de serviço quanto as informações fornecidas pelas assessorias de imprensa confirmam que não existe um contrato de SeAC com o assinante. A Oi tem planos para o segundo semestre de abrir o acesso à plataforma OTT para qualquer pessoa, e não apenas aos seus clientes, com pagamento via cartão de crédito. A Claro, que fez a denúncia contra a Fox e é a maior operadora do Brasil, só oferece aos seus clientes de celular o acesso ao serviço on-demand Claro Vídeo. A TIM só oferece o Netflix (on-demand) como serviço de vídeo.
Mudança de estratégia
Como se percebe, a maior parte dos casos de canais lineares envolve conteúdos ESPN/Disney. De fato, em 2017 e 2018, a programadora ampliou o número de parcerias de distribuição na TV paga e também na banda larga, e não havia nenhuma sinalização dos reguladores de que isso não seria permitido. Contabilizando todos os acordos da ESPN/Disney, foram mais de 50 contratos fechados no último ano, com destaque para o volume de empresas provedoras de banda larga que passaram a distribuir conteúdos da programadora (foram 26 ISPs).
A este noticiário, a ESPN informou estar em fase de reestruturação de todos os produtos não voltados para operadores de TV paga e mudanças na estratégia de vendas. Com isso, haverá um processo de transição grande junto aos provedores.
Um dos argumentos da Anatel colocados para dar a cautelar contra a Fox é que a programadora, ao ofertar a assinantes seus serviços diretamente, deveria ter uma outorga de TV paga (telecomunicações), o que é proibido por conta da limitação de propriedade cruzada colocada pela lei do SeAC, que impede concessionárias de radiodifusão, produtoras e programadoras de controlarem empresas de telecomunicações. Nos casos listados acima, o PlayPlus, por ser controlado pela Record, poderia ser enquadrado da mesma maneira. No caso do UOL, trata-se de uma empresa jornalística, não de uma produtora de conteúdo, mas sem a outorga de telecom.
Cotas e canais obrigatórios
No caso das operadoras de telecomunicações que fazem distribuição de aplicativos OTT de canais lineares por assinatura, o problema seria o outro argumento que a Anatel utiliza nestes casos: o de preservação de outros dispositivos da lei do SeAC, como a distribuição empacotada de canais obrigatórios e das cotas de programação. Em nenhum dos pacotes ou lojas de aplicativos das teles estão sendo distribuídos, por streaming, os canais obrigatórios previstos na legislação de TV paga (TVs Câmara, Senado, Justiça entre outros), e nem são observadas cotas de canais nacionais, como prevê a lei. Até porque a assinatura dos aplicativos individuais é feita pelo usuário, de forma desempacotada. Mesmo que houvesse aplicativos da TV Câmara e TV Senado disponíveis, por exemplo, o usuário poderia simplesmente não os instalar.
Outro elemento que acrescenta complexidade para a análise de cenários que a Anatel terá que fazer após a coleta e subsídios sobre a oferta de canais pela Internet, que se encerra no dia 15 de agosto, é em relação aos canais das redes abertas de TV. Aos usuários de TV por assinatura, estes canais passaram a comercializados após a digitalização dos sinais e fim das transmissões analógicas. Mas eles também estão disponíveis para recepção aberta, por streaming em outras plataformas (como o GloboPlay e o PlayPlus, além dos sites das próprias emissoras), de graça.
E na semana passada foi anunciado o aplicativo Guigo TV, que inclui canais esportivos, canais infantis, canais eróticos, canais étnicos e canais abertos, todos lineares, que são comercializados por operadoras de TV por assinatura tradicionais. Entre os canais ofertados pela Guigo TV estão ESPN, Disney, Disney XD, Disney Junior, TV Rá Tim Bum, Band, TV Cultura, Kartoon Circus, TV Cartoon, Al Araby (Inglaterra), Bloomberg (EUA), RAI (Itália), TV5 Monde (França), Deutsche Welle (Alemanha), BBC World News (Inglaterra), SexPrive, FashionTV, Global Fashion Channel e os exclusivos Al Jazeera (Catar), Las Estrellas (México), TLN Network (México), TV Azteca (México), RCN (Colômbia) e Trace (França).
Existem ainda dezenas de canais que já oferecem seus conteúdos no modelo on-demand pela Internet, alguns com assinatura direta ao consumidor. Nenhum destes casos foi contestado pela Claro, nem são objeto de preocupação da Anatel. A agência apontou apenas a linearidade de canais nativos da TV por assinatura como razão para impor a cautelar à Fox impedindo a oferta direta ao assinante.
Evento
Nos dias 30 e 31 de julho este noticiário organiza em São Paulo o PAYTV Forum 2019, evento voltado ao debate dos temas de TV por assinatura. Todas as operadoras de telecomunicações e os principais canais estarão presentes ao evento, e haverá ainda um debate com a Anatel sobre as questões regulatórias que estão colocadas. A Ancine também participa do encontro. Mais informações sobre o evento, incluindo a relação de participantes, temas e condições de inscrições podem ser obtidas pelo site www.paytvforum.com.br.
(Colaboraram Bruno do Amaral, Fernando Lauterjung, Henrique Julião e Mariana Toledo)
Fonte: Teletime News de 26 de julho de 2019, por Samuel Possebon.
Nenhum comentário:
Postar um comentário