Encomendado pelo Conselho de Comunicação Social no início do mês, um parecer da Consultoria Legislativa do Senado sobre o PLC 79/2016, que altera o marco legal das telecomunicações no Brasil, defende alterações no texto, sobretudo nas questões relacionadas a bens reversíveis, renovação de espectro e isenção de recolhimento do Fust na radiodifusão. O parecer do consultor legislativo Marcus Martins discorda de vários argumentos da Anatel, sobretudo os defendidos pela agência em "peça didática de comunicação" sobre o tema, e avalia que edição de medida provisória para regulamentar o setor é inconstitucional.
O relatório foi solicitado pelo presidente do CCS, Murillo de Aragão, após a apresentação do relatório do conselheiro Fábio Andrade (também da Claro Brasil), em consonância com requerimento do Senador Jean Paul Prates (PT/RN) para que a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) analise o projeto. O texto, que é a compilação atualizada de outras notas já elaboradas pelo consultor por solicitação de senadores e lideranças partidárias, tem caráter meramente opinativo, servindo para auxiliar as discussões sobre o tema.
O documento traz uma série de ressalvas e contradriz argumentos favoráveis ao projeto tanto por parte da Anatel, quanto do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. Neste último caso, rebate declaração do secretário-executivo da pasta, Julio Semeghini. Em fevereiro, durante o Seminário Politicas de (Tele)comunicações, promovido pela TELETIME, ele afirmou que, na negociação de 16 emendas do PLC 79 com senadores, poderia ceder ajustes "posteriores" por decreto ou mesmo medida provisória.
Acontece que o item 4 do parecer dispõe que não é possível edição de medida provisória para disciplinar o setor de telecomunicações. O texto cita a Emenda Constitucional nº 8, de 1995, que permitiu a privatização do antigo Sistema Telebrás. No art. 2º da emenda dos incisos XI e XII do art. 21 da Constituição, diz que é vedada a adoção de MP para regulamentação do inciso XI. Por conta disso, afirma que a edição de medida provisória para disciplinar o setor numa negociação para aprovar o PLC 79/2016, sem ajustes, "pelo Senado Federal, como aventou o secretário-executivo do MCTIC, sofre de restrições em âmbito constitucional".
Espectro
O aspecto do mercado secundário de espectro é visto com bons olhos pelo consultor por poder "gerar mais agilidade e eficiência" na alocação de frequências. Mas ressalta que isso poderia incrementar as receitas dos atuais detentores de uso da faixa, e que não foi previsto no cálculo do preço mínimo nos leilões de espectro. Assim, diz que o preço das renovações deveria levar em consideração a possibilidade de receita com o mercado secundário.
As prorrogações sucessivas do direito de uso, previstas no art. 9º do projeto, precisariam ter o impacto financeiro mensurado, diz a consultoria. Ela discorda do argumento da Anatel de que a renovação sucessiva traria "mais segurança jurídica e previsibilidade para os investimentos" das operadoras. O argumento do parecer é que os prazos de vencimento de até 15 anos (renováveis uma única vez) foram previstos há 22 anos, com a aprovação da LGT, e isso já consolidaria previsibilidade e segurança jurídica.
Afirma ainda que isso pode restringir a entrada de eventuais novos players, e que a valoração precisa ter o contexto da evolução tecnológica, citando que a faixa de 700 MHz usada no 4G hoje é mais valiosa do que quando era utilizada apenas para a radiodifusão de TV analógica.
Por sua vez, a revogação da obrigatoriedade de processo licitatório para a obtenção do direito de exploração do satélite tem redação "dúbia", na opinião do consultor, uma vez que mantém previsão de processo administrativo estabelecido pela Anatel para a outorga. Diz que "é possível inferir que não serão mais realizadas licitações para o direito de exploração de satélite", mas que também há a interpretação que, "como a licitação pode ser caracterizada como processo administrativo, seria discricionária a decisão da agência de realizar processo licitatório". O texto também conclui que a possibilidade de prorrogações sucessivas no direito de exploração pode "desestimular o ambiente de competição no segmento".
Fust
Interessante notar que o parecer cita a necessidade de ajustes no Fust, uma vez que a arrecadação está vinculada ao regime público do serviço de telefonia fixa (STC). E que se isso não for feito, corre-se o risco de judicialização contra o pagamento da contribuição, já que essencialmente o PLC acaba de maneira tácita com a prestação do STFC nesse regime.
A proposta de isenção da cobrança do Fust na radiodifusão também é vista com preocupação. O parecer alega que não deve haver distinção entre serviços de telecomunicações e de radiodifusão, conforme decisão do TRF-1. Cita também que a decisão da Consultoria-Geral da União sobre a base de cálculo da contribuição do Fust pelas emissoras de radiodifusão deve levar em conta, exclusivamente, os pareceres divergentes das procuradorias da Anatel, da Fazenda, da Procuradoria-Geral Federal e da Consultoria Jurídica do MCTIC. "Ao mesmo tempo em que a aprovação do projeto não terá qualquer relação com a decisão a ser proferida pela Consultoria-Geral da União, essa decisão repercutirá diretamente na aprovação do dispositivo. Isso porque, confirmado o entendimento da PFE-Anatel, da PGF e da PGFN, os valores incrementais de que se abrirá mão com a aprovação do PLC nº 79, de 2016, poderão chegar a R$ 200 milhões por ano, ou cerca de 23% da arrecadação anual do Fundo", afirma.
Bens reversíveis
Sobre os bens reversíveis, menciona que a agência recorreu contra determinação do TCU para que apurasse o valor total dos recursos obtidos por cada concessionária a partir da alienação dos bens reversíveis desde 25 de janeiro de 2007. "Assim, embora não tenha havido decisão final sobre o processo, é possível concluir que, há pelo menos três anos e meio, a Anatel tem sido provocada a dar encaminhamento a uma série de questões relacionadas à identificação, ao dimensionamento e à valoração dos bens reversíveis". Caso o PLC seja aprovado, isso terá que ser feito de qualquer forma.
Conforme explica o parecer, o Informe nº 27/2019/PRRE/SPR traz a previsão de custo de R$ 43 bilhões anuais desembolsados pela União para a operação do STFC a partir de 2026 sem a aprovação do PLC. "A primeira observação a ser feita diz respeito à ausência, no referido informe, de referências a fontes, critérios e base de cálculo utilizados pela Anatel para estimar o valor apontado. Entendemos que essas informações são fundamentais, pois podem esclarecer, entre outros, aspectos relacionados à discriminação, na infraestrutura de redes, de elementos utilizados exclusivamente para a prestação do serviço de telefonia fixa em regime público, sujeitos ao instituto da reversibilidade." Diz também que o informe não estima a receita relativa ao serviço. "Só com essa informação seria possível avaliar o real déficit de sua prestação, pela União ou por empresas privadas, e os eventuais impactos para o erário." Assim, o consultor legislativo lembra que o Senador Humberto Costa (PT/PE) apresentou em junho Proposta de Fiscalização e Controle (PFS) para apurar, com auxílio do TCU, o valor estimado pela Anatel sobre o custo operacional da prestação do STFC.
Outras emendas
O parecer da consultoria estabelece um pressuposto ao citar o informe da Anatel "francamente favorável" ao texto do PLC "sem qualquer aperfeiçoamento pelo Senado". Neste contexto, entende que a agência "recomenda a rejeição de todas as emendas apresentadas sobre a matéria", posição da qual o consultor discorda.
A proposta da emenda nº 19, por exemplo, que sugere que qualquer prestadora (e não apenas concessionárias) possa assumir a responsabilidade de execução dos compromissos de investimento, permitindo um processo seletivo competitivo, nos moldes de um leilão reverso, deveria ser considerada. A consultoria lembra que o MCTIC defendeu publicamente a alteração e concorda com seus benefícios, uma vez que isso poderia incluir os provedores regionais. Nesse sentido, o consultor cita relatório da própria Anatel que indica haver 8.600 provedores regionais de conexão à internet no País. De acordo com o documento formulado pela agência, "pela sua característica mais peculiar, que é a capilaridade, os provedores regionais têm a possibilidade de ofertar serviços em última milha, o que, em muitos municípios e localidades, não é de interesse imediato das prestadoras de grande porte. Nesse sentido, esses prestadores têm condições de, em áreas pouco atendidas, ser instrumento de massificação, e, em regiões atendidas, ampliar a competição".
A Anatel discorda e diz que a proposta "acarretaria em elevada complexidade" e "riscos elevados" ao processo. Mas o parecer afirma que os receios não se justificam, uma vez que bastaria a execução de um cronograma com previsão de desembolso e de aplicação de recursos. Além disso, justifica que o processo de escolha de agende de forma similar a um leilão "não parece configurar um obstáculo", já que a transição para o novo modelo levaria pelo menos um ano, que a consultoria julga ser tempo suficiente para elaboração dos editais. Justifica ainda que o argumento da Anatel de que compromissos com a manutenção da telefonia fixa relacionados à concessionária "não poderiam ser atribuídos a outros agentes" não se justifica, uma vez que esse custo nas áreas sem efetiva competição deve, segundo o PLC, ser suportado pela empresa que "voluntariamente optar por alterar seu regime de prestação".
A emenda de nº 13 sugere vedar que serviços considerados essenciais possam ser vinculados exclusivamente ao regime privado. O documento diz que isso coloca, na prática, a possibilidade de prestação de serviço de banda larga no regime público. "Nessa esteira, segue em direção contrária à lógica do projeto, que visa a estimular a migração do regime público para o regime privado." Já nas emendas que sugerem a troca do termo "compromisso" por "obrigação", diz não parecer apropriada, já que a aplicação dos termos é, respectivamente, relacionada aos regimes privado e público.
Tramitação
Para o consultor, caso o requerimento do Senador Jean Paul Prates para que a CAE analise o projeto seja deferido pelo Plenário – posição defendida pelo relatório do Conselheiro Fábio Andrade –, será necessária uma interpretação sistêmica do Regimento do Senado para a indicação do novo caminho a ser trilhado pela matéria. E enxerga a seguinte saída: o encaminhamento imediato do projeto, e das emendas de plenário, para o exame da CAE, que oferecerá parecer sobre o conjunto da matéria, com a possibilidade de apresentação de novas emendas pela comissão. Em seguida, a iniciativa retornaria à CCT para prosseguir com a análise das emendas de plenário. Por fim, o projeto seria apreciado pelo Plenário, tendo como base o parecer aprovado pela CCT, uma vez que ela é a comissão de maior pertinência regimental sobre a matéria.
Fonte: Teletime News de 21 de agosto de 2019, por Bruno do Amaral.
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