Provocada pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e pelo advogado Vinícius Marques, a Superintendência-Geral (SG) do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) declarou a operação de fusão entre a AT&T e Time Warner como complexa e determinou a realização de mais diligências. Uma delas é o aprofundamento da análise de incentivos para adoção de práticas anticompetitivas verticais e possibilidade de coordenação.
A outra diligência diz respeito à requisição de estudos de marketing de concorrentes da Time Warner e AT&T para o aprofundamento do entendimento acerca da alegada pressão competitiva exercida pelas novas plataformas de distribuição de conteúdo. E, por fim, a apresentação, pelas partes, das eficiências econômicas a serem geradas pela operação.
Na nota técnica, a superintendência geral do Cade avalia que a instrução realizada até o momento aponta que, para além dos debates afetos ao cumprimento da regulação setorial – isto é, mesmo limitando-se a análise aos aspectos concorrenciais – a operação proposta pode resultar em uma estrutura verticalizada que, em tese, teria incentivos para práticas anticoncorrenciais. Além disso, a SG afirma que ainda analisa se a operação pode aumentar a probabilidade de coordenação entre os maiores players de televisão por assinatura e de programação.
"Em decorrência das informações já trazidas aos autos, esta SG considera necessário o aprofundamento da investigação acerca das condições de contestabilidade e rivalidade entre os players atuantes nos mercados de programação e distribuição de televisão por assinatura, bem como um aprofundamento do entendimento acerca da alegada pressão competitiva exercida pelas novas plataformas de distribuição de conteúdo nos mercados diretamente relacionados a esta operação", assinala o órgão. A entidade faz referência à tese defendida pela Abert, que pede a análise pelo Cade também da operação frente à lei do SeAC.
Prazo
Segundo a Superintendência-Geral do Cade, embora a análise da operação esteja dentro do prazo regimental de 240 dias, pode haver necessidade de um tempo maior para conclusão da análise da operado. Hoje, a avaliação do negócio completa 99 dias e, posteriormente, pode ser ampliada por mais 90 dias. A data limite do Cade para finalizar a análise desta operação se encerra em 21 de fevereiro de 2018. Isso, na prática, pode levara análise da operação para ser concluída apenas depois de uma possível aprovação nos EUA. A expectativa é que no começo do segundo semestre haja um posicionamento das autoridades norte-americanas, selando ou não a operação.
Análise
Caso a operação apresente riscos concorrenciais, é possível que o Cade determine alguns remédios, como já aconteceu na fusão entre Sky e DirecTV em 2005, quando a News Corp (dona da programadora Fox) era controladora das empresas. O mais provável é que se exija a garantia, por parte da Time Warner, de que não haverá ofertas de conteúdos em condições não isonômicas para a Sky. Na visão de analistas que acompanham o caso, contudo, dificilmente a operação seria integralmente barrada do ponto de vista concorrencial, considerando-se que nenhuma das duas empresas envolvidas tem fatia superior a 30% nos seus respectivos mercados.
O maior risco para a fusão nesse momento é regulatório, já que a Lei do SeAC tem restrições que se aplicam diretamente ao caso. Até aqui, o Cade não havia dado sinais de que poderia fazer a análise do caso por esta ótica, mas a nova decisão parece ter mudado o cenário. A Ancine já tem uma investigação em curso e a Anatel prometeu análise similar caso a fusão seja aprovada pelo Cade e se concretize.
A primeira restrição regulatória é a do artigo 5 da Lei 12.485/2011, proíbe a propriedade cruzada de empresas de conteúdos e empresas de distribuição. No Brasil, a Time Warner tem os canais Turner e a HBO, e a AT&T tem o controle da operadora de DTH Sky, além de outras empresas de telecomunicações. Estaria configurada, então, a propriedade cruzada.
Nesse caso, a tese que a AT&T e Time Warner precisam fazer prevalecer é de que a Time Warner não tem atividade de produção de conteúdo no Brasil, e que sua atuação aqui por meio dos canais Turner e HBO é apenas de representação comercial e legal. A Ancine já se manifestou refratária a esta interpretação.
Uma alternativa para contornar esse obstáculo seria designar um representante terceiro, sem nenhum vínculo societário, como responsável pelos canais Turner e HBO no Brasil, e/ou ainda estabelecer mecanismos de controle nos conselhos das empresas. Complexo, mas possível, segundo observadores.
Outro problema regulatório para a AT&T e Time Warner é que a Lei do SeAC também impede, em seu artigo 6, que uma empresa de telecomunicações detenha, direta ou indiretamente, direitos sobre conteúdos esportivos de interesse nacional. Esse é o caso do Esporte Interativo, canal da Turner que tem inclusive os direitos de alguns clubes para o Campeonato Brasileiro de 2019. Nesse caso, a interpretação dos observadores é que dificilmente haverá uma solução que não seja a separação completa do Esporte Interativo do grupo Time Warner/AT&T.
Caso prevaleçam os obstáculos, restaria à AT&T ou a hipótese de vender a Sky e suas operações de telecomunicações corporativas para alguma outra empresa, ou de tirar seus canais do Brasil. Pensar no país sem HBO e CNN pode parecer difícil, mas com a tendência de oferecer conteúdos de TV paga pela Internet (a própria AT&T tem feito isso nos EUA), estes canais poderiam passar a ser oferecidos apenas no modelo OTT.
A hipótese de venda da Sky esbarra na dificuldade de encontrar um comprador. A principal candidata é a Telefônica, mas ela tem problemas de alavancagem na Europa e não parece disposta a se endividar para um movimento desse tipo. Uma hipótese seria um swap de ativo com a AT&Ts, com a troca das operações de telecomunicações do grupo espanhol no México pela DirecTV Latin America, que controla a Sky. O problema é que para passar os seus ativos de telecom no México para a AT&T a Telefônica dependeria de um complicado processo de aprovação concorrencial naquele país. MAs esta hipótese já foi conversada informalmente entre os grupos.
Ultimamente, contudo, a Vivo tem dado sinais de que tirou o foco da estratégia de DTH no Brasil, e o serviço tem apresentado perdas de base sucessivas. O foco da empresa é declaradamente em fibra, IPTV, caminhando para o OTT no futuro. Mas incorporar os mais de 5 milhões de assinantes da Sky aos seus cerca de 1,7 milhões de clientes em TV paga traria à Vivo custos de programação significativamente mais baixos.
Uma terceira hipótese é um possível interesse da Echostar/Dish no Brasil. A empresa do bilionário Charles Ergen já tentou entrar no país em 2012, mas esbarrou em dificuldades de amarrar parcerias. Oi, Vivo e GVT negociaram, e com todas quase se chegou a um entendimento com a Dish, sempre rompido na última hora. Hoje, a Dish perde base constantemente nos EUA e pode se interessar em um movimento de internacionalização. Além disso, a empresa tem no Brasil um satélite ocioso para DTH, uma posição orbital excelente, uma outorga de TV paga e a operação de banda larga via satélite em banda Ka da HughesNet.
Poucos apostam, nesse momento, em uma complexa operação de fusão entre Oi, TIM e Sky, mas esse é um cenário que pode ganhar força a partir de setembro, quando ficará mais claro o futuro da Oi com o processo de reestruturação judicial.
Fonte: Teletime News de 4 de julho de 2017, por Lucia Berbert e Samuel Possebon.
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