Pelas perguntas e pela fundamentação da tomada de subsídios apresentados pela Anatel na questão da proibição da oferta de conteúdos lineares pela Fox no modelo de comercialização direta ao assinante, pela Internet, a Anatel deixa claro que ainda tem pelo menos uma dúvida fundamental em relação a este caso: se a oferta de conteúdos ao assinante pela Internet se enquadraria como Serviço de Valor Adicionado, típicos do ambiente da internet, ou se essa oferta pode ser entendida como um serviço de telecomunicações na modalidade Serviço de Acesso Condicionado (SeAC), que é onde se enquadram os serviços de TV paga, regulados.
Para a Anatel, existem consequência diversas a depender da interpretação que se dê. Segundo a análise da agência, os cenários são os seguintes:
Caso as aplicações de distribuição de canais de programação linear pela Internet sejam enquadradas como SeAC:
A oferta de conteúdo linear na Internet seria vedada no Brasil por que não seria possível a coexistência da oferta de serviços de telecomunicações no formato de aplicativos na Internet. Pelo MCI não é possível que uma aplicação na Internet seja, ao mesmo tempo, um Serviço de Telecomunicações.
Haveria dificuldades práticas na verificação, em casos concretos, da linearidade do conteúdo audiovisual (canal linear).
Haveria maiores possibilidades de manutenção da base instalada e o regime tradicional de TV por assinatura.
Seria impossibilitada a ofertas de conteúdo audiovisual linear pela Internet por agentes econômicos que não detenham outorga de SeAC.
Se manteria o controle sobre cotas de produção, programação e distribuição obrigatória.
Haveria estímulo à produção de conteúdo nacional.
De outro lado, caso as aplicações de distribuição de canais de programação linear pela Internet sejam considerados aplicativos de Internet e SVA:
Haveria uma possível aceleração da erosão da base instalada da TV por assinatura tradicional.
Haveria a redução da abrangência das disposições da Lei nº 12.485/11 no que concerne à produção, programação e distribuição obrigatória.
Haveria uma redução da arrecadação tributária.
Haveria desestímulo à produção de conteúdo nacional.
Mas ainda que a balança da Anatel penda para o lado do SeAC, como indicou a própria cautelar, um dos principais aspectos apontados pela própria Anatel são eventuais conflitos com as previsões legais trazidas pelo Marco Civil da Internet, de 2013, posterior portanto à Lei do SeAC, que é de 2011.
Entre os aspectos apontados pelo Marco Civil da Internet está o estabelecimento claro de que a disponibilização de conteúdos pela Internet não é considerada serviço de telecom. Pela leitura do Marco Civil da Internet, fica claro que "uma aplicação de internet não consegue por si só realizar a entrega do conteúdo, necessitando de um serviço de telecomunicações que faça a efetiva transmissão dos protocolos que estão na internet para o terminal do receptor do conteúdo, ou seja, a aplicação de internet não se confunde com o serviço de telecomunicações que lhe dá suporte", escreve a Anatel. Além disso, a agência aponta que entre os balizadores que disciplinam o uso da Internet no Brasil estão a promoção da "inovação e do fomento à ampla difusão de novas tecnologias e modelos de uso e acesso", assim como a "liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet". Para o programadores ouvido por este noticiário, a decisão da agência soa justamente como um óbice à inovação de modelos de negócio no mercado audiovisual.
De qualquer forma, a medida da Anatel, que caiu como um bomba entre programadores e produtores de conteúdos, ainda precisa ter impactos analisados e as futuras estratégias ainda estão pendentes desta análise. Alguns falam em uma possível ação de recurso à Justiça ou recurso ao MCTIC e ao Ministério da Cidadania (a quem a Ancine está vinculada), por uma possível extrapolação do papel da Anatel, uma vez que a decisão afetou empresas programadoras e também a oferta de conteúdos pela Internet. Mas os desenhos de uma possível contestação estão sendo avaliados e as partes que compõem o processo da Claro contra Fox foram notificadas para se manifestarem em 10 dias. Até lá, todo o mercado também deve se debruçar sobre as perguntas feitas pela agência na tomada de subsídios, que vai até dia 15 de agosto. As perguntas da Anatel (disponíveis no site da Anatel para comentários) são as seguintes:
Pergunta 1
Há outros aspectos a serem considerados na avaliação do tema? Caso afirmativo, indique-os.
Pergunta 2
A ação de disponibilizar acesso ao conteúdo audiovisual formatado em canal de programação, mediante remuneração e por meio da internet está compreendida na atividade distribuição?
Pergunta 3
A ação de disponibilizar acesso ao conteúdo audiovisual em tempo real (ao vivo), mediante remuneração e por meio da internet está compreendida na atividade distribuição?
Pergunta 4
Há a caracterização da prestação do SeAC na disponibilidade de conteúdo audiovisual por meio de aplicação internet, quando há a necessidade da contratação de outro serviço de telecomunicação (Serviço de Comunicação Multimídia ou Serviço Móvel Pessoal) para se ter acesso ao conteúdo?
Pergunta 5
No modelo de negócio em que o assinante cuida de seu acesso à internet separadamente, contratando com a responsável pelo conteúdo apenas o acesso aos canais com conteúdo audiovisual difundidos de maneira linear, essa permissão de acesso ao conteúdo audiovisual é um Serviço de Valor Adicionado (SVA) ou seria essa uma oferta de SeAC?
Pergunta 6
Adotando-se uma ou outra solução, quais seriam as possíveis consequências para o mercado da comunicação audiovisual de acesso condicionado, incluindo a inovação e seu desenvolvimento?
Pergunta 7
Haveria a necessidade de mudança na legislação da comunicação audiovisual de acesso condicionado, de telecomunicações ou de internet, para permitir o melhor desenvolvimento das novas tendências da oferta de conteúdo audiovisual? Se sim, aponte os dispositivos que devem ser modificados.
Fonte: Teletime News de 15 de junho de 2019, por Samuel Possebon.
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