(Entrevista originalmente publicada no site Mobile Time) O ano de 2017 foi tenso para o setor de serviços de valor adicionado (SVA) no Brasil. A grande quantidade de reclamações sobre cobranças indevidas registradas na Anatel no primeiro trimestre fizeram com que a agência ameaçasse, em última instância, proibir a venda de SVAs – ou melhor, a cobrança na fatura telefônica. Operadoras e provedores de conteúdo se mobilizaram e adotaram uma série de medidas ao longo do ano que surtiram efeito, reduzindo o volume de queixas. A reação do mercado desanuviou o clima. Em entrevista para Mobile Time, a superintendente de relações com os consumidores da Anatel, Elisa Leonel, explica que, por ora, está afastada a possibilidade de proibição da venda de SVAs. Porém, ela entende que ainda há outras medidas que precisam ser tomadas e estas serão listadas em um plano de ação a ser firmado este mês com cada uma das quatro maiores operadoras móveis do Brasil. Paralelamente, a superintendente vê com bons olhos o investimento das operadoras em novos canais digitais de atendimento aos assinantes, como chatbots.
Mobile Time – Qual é o seu balanço do ano de 2017 em relação ao problema da cobrança indevida de serviços de valor adicionado (SVAs) em telefonia celular?
Elisa Leonel – O cenário melhorou. Houve uma queda na quantidade de reclamações relacionadas a SVAs. [Nota do editor: A redução foi de 5,6% na comparação anual e de 30,7% na comparação entre o quarto trimestre de 2017 e o quarto trimestre de 2016. Mobile Time publicará esta semana uma matéria mais detalhada sobre esses números].
Como isso foi conseguido?
Mantivemos um diálogo forte com as prestadoras e instauramos processos de fiscalização regulatória para termos uma leitura das causas dos problemas e propormos medidas para a sua correção. Estamos prestes a fechar acordos com as prestadoras sobre um plano de ação. Mas elas não ficaram paradas nesse período, apesar de o plano de ação não ter sido formalizado. As principais medidas tomadas têm relação com os problemas que a gente identificou. O maior deles era que as operadoras não tinham controle ou a gestão fim a fim dos SVAs, de modo que um parceiro cadastrava a contratação de um SVA pelo consumidor e a prestadora incorporava a cobrança na sua fatura. O que elas conseguiram agora é migrar os SVAs para sistemas de controle que elas chamam de SDPs (service delivery platform), uma plataforma de gestão do SVA desde a contratação até a fruição e o cancelamento. Elas estão com um cronograma de migração dos SVAs para essa gestão centralizada.
Que outros problemas foram identificados pela Anatel?
No caso de serviços já contratados, vimos a ausência para o consumidor de informações sobre o que contratou. Faz parte do nosso acordo com as prestadoras que elas desenvolvam um extrato de lançamentos futuros, para que haja gestão da cobrança desses débitos. Também exigimos do plano de ação uma revalidação da base dos SVAs mais problemáticos e com maior volume de reclamações.
Além disso, haverá medidas mais pontuais de transparência e clareza da oferta: a mensagem de opt-in, a forma como é ofertado o SVA, isso tudo é tratado nesse plano de ação. Embora o plano não esteja assinado ainda, as prestadoras começaram a desenvolver as estratégias e os resultados estão aparecendo. Mas claro que esperamos que o volume de reclamações caia muito mais do que já caiu.
Como vê a tendência de as teles reduzirem seus portfólios de SVAs?
A redução de portfólio tem a ver com a transparência. É confuso para o consumidor entender (tantos serviços). As teles estão escolhendo ter menos serviços e que sejam realmente úteis. Provoquei muito as prestadoras a questionarem a utilidade daquilo que cobravam dos consumidores. Claro que existem perfis diferentes de consumidores e para cada um existe um tipo de SVA, mas havia alguns para os quais não fazia o menor sentido cobrar do consumidor. Para mim é um movimento sadio, focar em SVAs que dialogam mais com a realidade dos serviços digitais de hoje em dia.
E o que acha da adoção de auditoria externa para analisar a venda de SVAs?
Entendemos como parte essencial ou salutar haver auditoria externa e também uma gestão interna de processos. O importante é que haja gestão e revisão de processos de forma que todas as pontas estejam bem arrumadas.
Os provedores de conteúdo móvel também se mobilizaram em 2017…
Sim, notamos que eles tiveram um papel importante. Vimos no nosso diagnóstico como um dos pontos preocupantes a fraude de venda pela Internet. Existia também a questão da publicidade digital. E os terceiros são parte disso. Acompanhamos um trabalho deles de tentar minimizar essas fraudes na venda e na publicidade de SVA.
Qual a sua opinião sobre a autorregulação desse mercado?
Nem tudo precisaria de atuação de um órgão regulador para ser resolvido. Tenho provocado neles essa discussão: quando é que o SVA passará por um trabalho de amadurecimento e controle na autorregulação? Apesar de eu reconhecer o esforço do MEF de ter aprovado uma nova versão do seu código de conduta, este continua sem uma estrutura de governança para ser de fato aplicado. Existe previsão de multa para quem não aderir, mas falta uma estrutura que dê efetividade ao que está no código. Não tem uma entidade para garantir isso. Poderiam desenvolver mecanismos de transparência, como black lists de SVAs que não estão aderentes às regras do código de conduta. Temos um desafio em SVA de aumento da transparência e de separação do joio e do trigo: quais são as empresas sérias e quais não estão comprometidas com um comportamento condizente a uma prestação de serviço saudável?
Você ficou satisfeita com os resultados das medidas tomadas pelas teles e pelos seus parceiros?
Acho que os resultados ainda são baixos, precisamos reduzir mais (as reclamações). Porém, conseguimos dizer que há uma mudança de cultura e de postura em curso. Há uma preocupação das empresas de telecom e de seus parceiros de SVAs em garantir uma seriedade maior, uma diligência maior com as questões do consumidor, o que é bom para todo mundo.
Conversei muito com as empresas de SVAs e com pessoas de outros mercados mais maduros. O amadurecimento do mercado de SVA depende da mudança positiva de comportamento que mencionamos. Não tem como acreditarmos que o modelo vai sobreviver às custas da fragilidade ou da falta de controle que vinha acontecendo no caso brasileiro.
Notou algum problema novo nos últimos meses envolvendo SVAs?
A migração de alguns planos de determinadas prestadoras incorporando SVAs mais estratégicos no pós-pago, como armazenamento na nuvem, antivírus e música. Existe uma mudança de estratégia comercial que gerou no consumidor uma série de dúvidas. Estamos monitorando essa migração para avaliar se tem outra questão surgindo, agora relacionada ao pós-pago.
Você entende isso como venda casada?
Se for venda casada, elas serão punidas. O que sempre foi permitido é a oferta combinada em pacote. Mas o consumidor que não quiser tem direito de contratar o serviço isolado. As prestadoras estão proibidas de fazer venda casada e isso vale para SVA. Se for obrigatório elas incorrem em infração da regulamentação. Mas ainda não identificamos venda casada. Achamos apenas que consumidor está menos informado e vimos aumento de reclamações de SVAs no pós-pago por conta disso. A redução de queixas poderia ser maior se não tivesse acontecido essa incorporação de SVAs no pós-pago.
Ainda há risco de intervenção da Anatel sobre o mercado de SVA?
Neste momento está descartado, mas nada impede que, se o problema voltar a crescer ou se manter em patamares não razoáveis, a agência volte a analisar a possibilidade de intervir e proibir a cobrança. Não é o caso neste momento. Agora é preciso aguardar a execução do plano de ação e ver como as reclamções vão se comportar este ano.
O que espera para 2018 desse mercado?
Em 2018 esperamos seguir a execução do plano de ação. Queremos ter de fato os resultados que planejamos, que é acabar com as reclamações de SVAs.
Como será esse plano de ação?
Os planos terão prazos, que variam para cada prestadora, pois dependem de onde cada uma está partindo e aonde vai chegar. Devemos formalizá-los em janeiro.
Todas as operadoras terão um plano de ação? Inclusive as regionais?
Será um plano para cada grande prestadora: Oi, Claro, TIM e Vivo.
O que falta para formalizar os planos de ação?
Teremos mais uma rodada de reuniões finais com cada prestadora para arredondar cada um dos planos antes de formalizarmos, na segunda metade de janeiro.
Poderia dar exemplos das medidas que constarão nos planos?
Sistema de gestão, extrato de lançamentos futuros, revalidação de base dos SVAs com mais reclamações, transparência na oferta…
Algumas fontes do mercado afirmam que existe uma indústria de processos judiciais relacionados a SVAs. Advogados agiriam de má fé orientando clientes a criarem problemas de propósito e a entrarem em seguida com ações. Dizem também que boa parte dos números de protocolos informados nas queixas à Anatel seriam falsos. Está a par disso?
A litigância de má fé é algo gravíssimo e precisa ser combatida. Eu entendo essa preocupação. Mas a verdade é que o setor de telecom ainda tem problemas estruturais gravíssimos e que impactam o consumidor. Os consumidores que contactam a Anatel tentaram antes, em média, resolver cinco vezes com a prestadora e não conseguiram. Existe um percentual de gente que vem para cá sem protocolo, é verdade. Hoje, por questões de tecnologia da informação, a Anatel não consegue validar os protocolos. Precisaríamos integrar com os sistemas das teles. É possível que haja um percentual que entre com protocolo inexistente. Mas, sinceramente, ninguém liga para cá porque está com vontade de criar problema com a prestadora, mas porque não aceita mais o canal de atendimento da empresa. Todos nós já passamos pela dor de cabeça de lidar com o atendimento de uma prestadora. Como o canal da Anatel de fato funciona, o consumidor passa a acreditar mais nele. Desta forma, é também compreensível que uma parcela ignore o canal da operadora e venha direto para a Anatel. É um problema de credibilidade da prestadora. Está longe de ser apenas um caso de má fé.
A adoção de chatbots e inteligência artificial pode ser a solução?
Acho fundamental que as prestadoras desenvolvam canais alternativos. E, olhando para esses novos consumidores, os nativos digitais, eles de fato têm cultura de interação com esses canais digitais, que podem, no médio prazo, substituir os tradicionais. De fato as prestadoras têm apresentado bons resultados (com iniciativas desse tipo). A assistência técnica virtual reduziu reclamações de assistência técnica e de visita de campo. Mas existe o desafio de lidar com consumidores de diferentes níveis sócio-econômicos e de formação. Não podemos menosprezar a importância de canais tradicionais, como loja e telefone. Alguns consumidores querem falar com um atendente. Grande parte ainda sente mais confiança no canal tradicional. E ainda há falhas no atendimento por máquinas. Às vezes o consumidor faz o procedimento via Internet ou aplicativo mas não está devidamente registrado no sistema. As prestadoras ainda precisam melhorar a credibilidade dos canais digitais. Vejo que elas estão avançando e trazendo ferramentas mais efetivas e robustas sem menosprezar o atendimento tradicional porque uma vasta parcela da população precisa dele.
Quão avançadas estão as teles brasileiras nesse processo de digitalização dos canais de atendimento?
Vale olhar para o movimento que os bancos fizeram décadas atrás. Eles desenvolveram soluções digitais e prepararam o consumidor para essa migração. Tem que ter política de educação, de capacitação. Nos bancos havia meninos de colete na porta das agências com a pergunta 'posso te ajudar'? As prestadoras ainda não se conscientizaram da importância de ferramentas para a educação de tecnologias digitais. Vemos muitos consumidores de telecom com dúvidas e questionamentos decorrentes da falta de familiaridade com tecnologias que estão surgindo.
Fonte: Teletime News de 11 de janeiro de 2018, por Fernando Paiva.
Nenhum comentário:
Postar um comentário