O evento CES 2018, principal evento de tecnologia de consumo, que aconteceu esta semana em Las Vegas, costuma ser uma vitrine de tecnologias inovadoras que já estão ou sendo utilizadas pelas pessoas em suas atividades cotidianas: no ambiente doméstico, em veículos ou transporte coletivo, na atividade física e nas práticas de saúde, no lazer e entretenimento. A quinta geração de serviços móveis (5G) foi pauta importante do evento, presente em dezenas de debates e na visão de futuro apresentada por boa parte das empresas expositoras. Mas a CES abordou apenas superficialmente a questão inicial mais importante para todo este cenário impressionante decorrente de um ambiente hiperconectado: quem construirá esta rede? Em que condições? Afinal, a conectividade é a base necessária e para tudo o que diga respeito à Internet, seja das pessoas ou das coisas. A CES é um evento para o mercado norte-americano. Pode ser que nos EUA esse não seja mais um problema. Aliás, as duas maiores operadoras móveis do país, Verizon e AT&T, estão justamente numa corrida para ver que vai lançar primeiro sua rede 5G. Em países desenvolvidos, em geral, a infraestrutura de banda larga móvel tem um alcance e uma penetração superiores às encontradas no Brasil, então é dado como problema resolvido.
Não por acaso, no índice de inovação dos países, elaborado e divulgado pela Consumer Technology Association (estudo este em que o Brasil ficou mal, aliás, na posição de 32 em 39 analisados), o peso dado ao quesito "banda larga" é o mesmo dado ao fato de o país ser ou não amigável às operações de Uber e similares, ou ao Airbnb e similares. Parece um excesso de liberdade poético-metodológica da CTA. Sem conectividade banda larga não tem mais nada que envolva bits. Não tem Uber, não tem Airbnb, não tem economia digital, não tem problema de cibersegurança, não tem problema de privacidade na nuvem, não tem serviços OTT, não tem IoT. Ou seja, a infraestrutura de banda larga é equivalente, para qualquer coisa que diga respeito ao ambiente e à economia digital, ao que é a água no ecossistema dos organismos vivos. Qualquer debate sobre futuro começa por ai.
Pois bem, a 5G está batendo na porta, a padronização já começou a sair, há perspectiva de testes reais já este ano, handsets no começo do ano aqui vem e operações comerciais até o final de 2019. É mais do que passado o tempo discutir e definir em que condições estas redes serão construídas. Sobretudo no Brasil, onde as condições são sempre mais adversas e ainda não concluímos direito nem o ciclo da terceira geração em boa parte do país, para não falar da infraestrutura fixa necessária para dar suporte à móvel. Pode-se dizer que as redes 5G serão construídas da mesma forma como foram implantadas as redes 2G, 3G e 4G, como um upgrade natural, no planejamento normal de investimentos das empresas, no velho modelo de leilão de espectro, filé com osso ou arrecadatório, mas sem nenhum plano estratégico por trás. Mas não deveria ser assim. As redes 5G exigem uma forma completamente nova de planejar e organizar o espectro, exigem o suporte de redes fixas de grande capacidade, precisam coordenar um ecossistema de setores que poderão se beneficiar da conectividade, precisam de uma abordagem nova em relação à arquitetura de rede adotada. E para que a 5G gere os benefícios econômicos que estão sendo já intensamente discutidos em eventos como a CES ou o MWC, agregando valor e capacidade de inovação à economia, o Brasil precisa pensar além das redes. É preciso pensar e definir as aplicações e soluções que rodarão sobre esta infraestrutura, e os objetivos que podem ser alcançados para toda a sociedade.
Mas tudo começa com a pergunta: quem fará esta rede? Em que condições? É preciso refletir se o modelo atual está ou não funcionando. As empresas de telecomunicações (até aqui as únicas candidatas declaradas a construir essa infraestrutura), há alguns anos, estão gritando que as coisas não vão bem, que a rentabilidade do setor não sustenta mais os níveis de investimentos necessários ao que está ai, quanto mais ao que está por vir. Já as políticas públicas para o setor de banda larga do Brasil deixaram de existir no momento em que o Estado perdeu sua capacidade de investir e investir de forma eficiente. As estratégias digitais para o Brasil não passam, ainda, de ideias no papel, assim como os planos para o ambiente da Internet das Coisas. A burocracia, a inação e o imediatismo político (e tributário) do poder público parecem ter tomado conta, impedem qualquer ação estratégica de médio e longo prazo.
Do lado das empresas, questões e diferenças de curto prazo também tiram o foco de iniciativas que poderiam ser tomadas. A Ford, por exemplo, uma empresa que quer vender carros, discorreu longamente durante a CES sobre sua iniciativa de desenvolver uma plataforma aberta de troca de dados para cidades inteligentes para ser usada pelo poder público e pela iniciativa privada (inclusive concorrentes), para que as cidades tenham justamente menos carros tradicionais, mais veículos autônomos, mais mobilidade e qualidade de vida.
No Brasil, estamos parados numa discussão sem fim sobre orelhão, ou remoendo teses e receios antigos sobre neutralidade, enquanto questões como investimentos, privacidade, uso de dados, segurança digital, inteligência artificial e gestão de espectro ficam sempre para o ano que vem, ou para o próximo.
Fonte: Teletime News de 11 de janeiro de 2018, por Samuel Possebon.
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