Anunciada como uma decisão estratégica, o fim da operadora virtual Porto Seguro Conecta é resultado não só de um novo cenário competitivo, como também acende a luz amarela em relação aos obstáculos regulatórios que este mercado de operadoras virtuais (MVNO) está enfrentando. Não é de hoje que o mercado comenta as dificuldades, alegando engessamento pela imposição de regras basicamente semelhantes as das operadoras grandes. Soma-se a isso a pesada carga tributária do setor de telecomunicações, o que traz uma dificuldade além para a comunicação máquina-a-máquina (M2M), que por natureza baseia o retorno de receita em volume. É como participar de uma corrida com o freio de mão puxado, vêm apontando os analistas deste mercado.
Algo que poderia trazer alívio para o setor é a mudança de regras na comunicação entre máquinas. A promessa de um Plano Nacional de Internet das Coisas do governo, contudo, ainda não foi concretizada – a minuta do decreto está na Casa Civil há meses. Tampouco a sugestão de isenção da cobrança do Fistel para IoT, que traria impacto grande justamente para as MVNOs que sobrevivem dos acessos M2M. Além dessas questões, há ainda um debate na própria Anatel em relação à definição das prestadoras de pequeno porte (PPP): no novo Plano Geral de Metas de Competição (PGMC) se trata de operadoras com menos de 5% de participação no mercado, mas o que ainda está valendo é a resolução 575 da agência, que define as PPPs como operações de até 50 mil acessos em serviço. Isso afeta no cumprimento de obrigações para as teles virtuais, e a eventual alteração só é prevista para o segundo semestre de 2019.
Há ainda a Consulta Pública nº 31 sobre Internet das Coisas, atualmente em andamento na Anatel. Nela, a agência reconhece as dificuldades da regulação para MVNOs: "No caso do Autorizado de SMP por meio de Rede Virtual, são imputados ao prestador todas as obrigações de qualidade e aspectos consumeristas previstas na regulamentação (como obrigações de coletas de indicadores de qualidade, exigências de manutenção de centrais de atendimento, transparência na oferta, regras de contratação e cancelamento, entre outras), o que, em alguns casos, poderia dificultar a oferta da respectiva aplicação IoT. Por outro lado, no modelo de Credenciado em Rede virtual, há outras restrições (como a necessidade de vinculação com apenas um prestador origem, ou MNO), que podem não fazer sentido em alguns modelos de comunicação máquina-a-máquina". Entre as alternativas sugeridas estão a flexibilização das regras de exploração de IoT para as operadoras virtuais, dando ao credenciado a possibilidade de se vincular a mais de uma prestadora, ou excluir "certas obrigações" como as de qualidade ou consumeristas para as MVNOs quando envolver IoT. A consulta da agência foi iniciada no dia 11 de setembro e ficará aberta até o dia 12 próximo. No caso da Porto Seguro, a operação tinha mais de 700 mil acessos, o que a coloca acima do patamar de PPP atual. Contudo, isso representa 0,31% de participação do mercado de SMP, o que a colocaria como pequeno porte no novo PGMC e a beneficiaria com menos obrigações.
Existe ainda um fantasma para esse segmento do mercado: o roaming internacional. A própria coleta de subsídios da Anatel aborda o tema, que naturalmente é caro para MVNOs como a Datora. Por outro lado, operadoras internacionais interessadas no mercado de IoT, como a AT&T e a própria Vodafone, com a qual a Datora tem parceria, tentam convencer a agência a permitir o modelo.
"É uma questão muito sensível, e está sendo arrastada por esse tempo todo", afirmou a este noticiário o partner da RKKG Consulting, André Gildin. "Gera instabilidade muito grande, porque era preferível que a Anatel tomasse uma decisão, ou mostrar outro mecanismo válido para a competição."
Mercado diferente
Para além da questão regulatória, há uma mudança significativa na dinâmica do mercado. O modelo de MVNO surgiu no mundo em cima de operações de voz, em que a rede, uma vez instalada, tinha um custo fixo permanente e previsível. Mas a competição entre operadoras móveis hoje se dá sobre serviços de dados, os investimentos na ampliação da infraestrutura são permanentes, e isso faz com que o valor de atacado para as MVNOs tenha ciclos de reajuste mais curtos. Além disso, no caso específico do mercado brasileiro, as grandes operadoras voltaram as suas atenções para o mercado de maior renda, com planos pós-pagos e controle, que eram justamente os alvos preferenciais das MVNOs. E existe uma guerra de preços e ofertas no mercado, tornando a vida das MVNOs mais difícil, mais dependente de sistemas sofisticados (e caros) de inteligência de mercado, billing e atendimento capazes de dar conta da complexidade das ofertas. Para empresas como a Porto Seguro, cujo core-business não é telecom, esse custo de se manter competitiva pode ter sido um problema. Tudo isso pesou para Porto Seguro Conecta.
Na avaliação de Gildin, ainda se pode acreditar no modelo de MVNOs. Ele entende, contudo, que outras operações não mostraram resultados tão significativos: a Datora tem 271,4 mil acessos, ou 0,12% do mercado. Outras empresas não constam na base de dados da Anatel. Lançada em janeiro de 2017, a MVNO dos Correios chegou a 111 mil chips vendidos em cerca de um ano e meio, mas a meta inicial era de passar de 1 milhão de acessos. A Vecto Mobile, por sua vez, esperava chegar a 500 mil linhas até o final de 2018, mas a ausência nos balanços indica que dificilmente a empresa atingiu esse patamar.
"Se não tiver mecanismos regulatórios para manter a competição no mercado, elas tendem a falhar. Infelizmente, se permanecer assim, até acho que pode virar uma crônica de morte anunciada", declara o executivo da consultoria. (Colaborou Samuel Possebon)
Fonte: Teletime News de 3 de outubro de 2018, por Bruno do Amaral.
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