Um dos aspectos críticos para o setor de telecomunicações durante a crise do COVID-19 é encontrar mecanismos que possam assegurar a manutenção dos serviços para usuários em situação de inadimplência ou dificuldade econômica. O principal recurso em discussão é uma espécie de desconto no Fistel, o fundo de fiscalização, que só este ano deve representar cerca de R$ 3 bilhões para as operadoras.
Mas há outras ideias: uma das propostas que está na mesa é recorrer ao Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), que foi criado em 2000 mas nunca foi utilizado, e que desde então já arrecadou, em valores atualizados, nada menos do que R$ 36,7 bilhões, segundo cálculos da Anatel. A proposta de uso dos recursos do Fust foi objeto de manifestação das operadoras de telecomunicações e, na semana passada, a Anatel reforçou o coro em ofício encaminhado ao MCTIC, em que sugere atenção ao uso destes recursos para políticas de conectividade durante e depois do enfrentamento da crise. A íntegra do ofício da Anatel está disponível aqui.
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Segundo o documento produzido pela Anatel, "a crise pandêmica que nos assola cria entraves à profunda reavaliação estrutural que a ampliação do escopo de aplicação do fundo de universalização demanda. Ainda assim, todavia, com algum esforço concentrado, a situação excepcional pode ser visualizada justamente como um momento privilegiado para dar o primeiro passo nessa mudança". Ainda segundo a agência, "Apenas com alterações pontuais na legislação, integralmente alinhadas às iniciativas de contenção dos efeitos deletérios da pandemia, pode ser estabelecido um benefício provisional e excepcional que permita às famílias em situação de vulnerabilidade a manutenção do acesso aos serviços de telecomunicações durante a presente emergência sanitária".
Solução perene
Para a Anatel, esta seria uma solução que permitiria inclusive uma solução perene aos desafios de conectividade que se colocam a parte da população.
"Nossa missão precípua é manter os brasileiros e brasileiras conectados num ecossistema bastante heterogêneo em termos de prestadoras, redes, dentre outros aspectos. Nessa esteira, toda e qualquer medida imposta precisa levar em consideração o impacto dela decorrente não simplesmente nas condições de fluxo de caixa de milhares de empresas, mas, sobretudo, nas consequências em termos operacionais e, assim, na disponibilidade dos serviços para a coletividade."
Uma das preocupações da Anatel é que a mera determinação para a manutenção dos serviços por um período limitado não tenha o efeito necessário diante do provável impacto econômico da crise sobre as famílias. "Para a economia doméstica, familiar se recuperar dos efeitos da pandemia pode ser necessário um período de tempo muito mais extenso do que aquele da emergência sanitária".
Outro aspecto importante notado pela agênia em sua comunicação ao MCTIC é o fato de que boa parte do acesso à Internet ser hoje feito por operadoras de pequeno porte (PPPs) que não teriam condições financeiras de conviver com a inadimplência dos consumidores por um período maior.
"Ressalta-se, por oportuno, que a organização do Sistema Brasileiro de Telecomunicações está estruturada em uma complexa cadeia de valor. Desse modo, as ações precisam ser ponderadas sob o risco de causar um desarranjo, com efeito dominó, na cadeia produtiva do setor", diz a Anatel.
Como fazer?
O problema de uso dos recursos do Fust, além do contingenciamento feito pelo Tesouro, é que a Lei do Fust, de 2000, só prevê a aplicação dos recursos em serviços prestados em regime público (telefonia fixa, portanto), ainda que a lei, claramente, tenha sido escrita considerando o universo da Internet como uma realidade. Seria, de qualquer forma, necessário alterar a lei.
A Anatel defende a alteração da Lei do Fust há muito tempo. O ofício ao MCTIC faz referência a uma sugestão de anteprojeto já encaminhada no ano passado ao MCTIC para alteração da Lei do Fust, como consequência da aprovação do Plano Estrutural de Redes de Telecomunicações (PERT). Existe ainda uma proposta em fase final de discussão no Congresso (o projeto, originado no Senado, foi aprovado com alterações pela Câmara e aguarda apenas a validação das mudanças pelos senadores) que poderia ser acelerado a depender da articulação política com o Congresso. E existe, em último caso, a possibilidade de edição de uma Medida Provisória, justificada pela essencialidade dos serviços de telecomunicações.
Fonte: Teletime News de 13 de abril de 2020, por Samuel Possebon.
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