Até agora, a leitura que o governo tem feito dos impactos da crise do Coronavírus no setor de telecomunicações passam a impressão de tranquilidade: não houve nenhum comprometimento sistêmico das redes, salvo em casos pontuais; as cadeias de suprimento de equipamentos estão abastecidas; o atendimento nos call centers não parou; e não houve danos significativos ao caixa das empresas. Com estas informações preliminares é que, ao longo das últimas semanas, muito se discutiu, muito se propôs mas pouco se construiu em relação a medidas concretas de enfrentamento da crise pelo setor.
Ainda falta, contudo, uma política com forte impacto econômico e social para enfrentar o pior da crise, que ainda está por vir. Os sinais aparentemente tranquilos escondem uma onda bastante preocupante que já está no horizonte.
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As próximas duas semanas tendem a ser críticas para as empresas de telecom em relação a uma parcela significativa das receitas: o segmento pré-pago. Para as operações móveis, que têm cerca de 50% da base nesta modalidade, o começo do mês é tipicamente o período de recarga mais intensivo. Até aqui, algumas empresas já detectaram quedas de 5% a 10% nas recargas. Mas a expectativa mais pessimistas estimam que cerca de 30% da base pré-paga não conseguirá manter o padrão de gastos. Já o governo, baseado na observação de alguns mercados na Europa, aposta que o setor de telecom será pouco impactado pela crise e que as receitas em outras frentes tendem a crescer, como serviços residenciais. Mas a verdade é que estes números só ficarão mais evidentes nas próximas duas semanas.
Pesam a favor da tese das teles a já forte diminuição da renda nas camadas menos favorecidas e trabalhadores informais. E potencializam esse cenário a redução de circulação de pessoas e de dinheiro em espécie; e o fechamento de pontos de recarga, como lotéricas e as lojas físicas das empresas. Com uma parcela significativa da população brasileira não tem conta em banco, e o único canal de recarga mais efetivo em funcionamento durante a quarentena são as farmácias e padarias, onde não se quer criar aglomerações, e alguns supermercados. Para pequenos e médios provedores, que atuam em localidades de menor renda, o cenário é preocupante também. A Brisanet, por exemplo, que opera em quase 100 cidades do Ceará e Rio Grande do Norte, disse já ter sentido um impacto de 50% na primeira semana da crise em relação à adimplência de seus clientes. Ea população netas cidades está aumentando à medida que a quarentena se alonga nos grandes centros.
Conectividade e demandas estaduais
Até aqui, as medidas negociadas entre o Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e o Ministério da Economia com as as empresas priorizaram o debate soluções de conectividade para alunos da rede pública e conexão de unidades de saúde. O ministro Marcos Pontes falou inclusive, em coletiva dada na última sexta, na oportunidade de deixar um legado com estas conexões. Mas a agenda da inadimplência e, sobretudo, da continuidade dos serviços em caso de inadimplência, parece que ainda não apareceu como prioritária nas conversas, ainda que estejam pipocando todos os dias dezenas de projetos de lei e decretos nos Estados e no âmbito Federal.
A proliferação destes projetos cria um efeito negativo porque cria junto aos consumidores a expectativa de que será possível não pagar a conta de telecomunicações, quando na verdade nenhuma destas medidas terá efeito prático, já que só a União pode legislar sobre telecom, mas o ruído está criado.
Houve avanços importantes ao longo destas duas primeiras semanas de crise. É notável um alinhamento de discursos no sentido de um esforço conjunto de cooperação entre Anatel, MCTIC e empresas; as grandes operadoras adotaram uma estratégia de comunicação conjunta e cada uma delas, individualmente, anunciou medidas específicas (como bônus de franquia e liberação de canais pagos); provedores OTT reduziram por iniciativa própria a definição dos conteúdos transmitidos por streaming; pequenos provedores estão ativos em buscar conectar unidades de saúde em pequenas e médias cidades…
Para além de iniciativas pontuais das empresas, na forma de bônus de franquia, por exemplo, há propostas comuns mais ambiciosas sendo discutidas. Uma sugestão das grandes operadoras, por exemplo, é ter um pacote para a população de baixa renda que preserve voz, SMS e dados até 1 GB, fora zero rating (isenção de franquia) para todos os serviços de comunicação do governo sobre a crise, em troca de parte do Fistel ou do que seria recolhido nos fundos setoriais em 2020. O governo, por sua vez, quer assegurar liberação de franquia para estudantes e professores da rede pública para que o Ministério da Educação possa implementar uma solução de educação à distância, e quer que as empresas cubram esta despesa com os ganhos financeiros que teriam com o diferimento do Fistel (não com o uso do saldo propriamente dito).
São propostas que ainda não convergiram, e o alongamento de prazo de pagamento do Fistel sem multas e juros por mais 15 dias é também um prazo para que o Executivo e as operadoras possam chegar a um consenso. Mas o tempo é curto porque o mês é crítico. Além dos impactos financeiros da crise, que fatalmente farão a população de baixa renda ficar sem condições de pagar pelos serviços de telecom em abril, o país viverá a fase mais aguda de aceleração do número de casos da COVID-19, aumentando a insegurança e pessimismo. Se há uma coisa que essa crise já ensinou é que é preciso agir antes que os problemas se acumulem, e que os esforços precisam ser feitos por todos os atores.
Fonte: Teletime News de 31 de março de 2020, por Samuel Possebon.
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