A chegada de um novo ministro é quase sempre um momento em que o novo titular e sua equipe, caso traga um time novo, precisam perder um bom tempo para se inteirar dos temas da pasta e das urgências setoriais. Um tempo que infelizmente a pasta das Comunicações, sobretudo a área de telecomunicações, não tem de sobra, o que não significa que o time que chega não deva se debruçar e formar suas próprias opiniões. A partir de quarta, 17, o novo ministro Fábio Faria toma posse no ressuscitado Ministério das Comunicações. A lista de pendências históricas, temas urgentes e importantes será longa. Jornalistas em geral têm a vantagem de terem observado estas mudanças diversas vezes. Fica aqui então um pequeno resumo, não exaustivo e não necessariamente listado em ordem de importância, sobre aspectos básicos e questões relevantes na pauta do Minicom. Como se pode observar, Fábio Faria não terá uma tarefa simples pela frente.
1) O que faz e o que não faz o Minicom – Essa noção é importante, porque daí decorrem muitas das confusões. O ministério é o formulador de políticas públicas na área de telecomunicações, mas não regula esse mercado. Quem regula é a Anatel, agência responsável também pelos atos de outorga e fiscalização. Por outro, o Minicom é sim o responsável pela regulação do mercado de radiodifusão, que na prática nunca foi regulado no sentido econômico da palavra. O ministério, na verdade, funciona mais como um cartório para resolver as questões societárias referentes às outorgas de radiodifusão e ajustes de projetos técnicos, além de ser responsável pelos atos de outorga. Não é pouca coisa e é algo que gera um contato intenso entre o ministério e o Congresso. Mas o Minicom não tem poder, sozinho, de cassar uma emissora, por exemplo. Para isso, há um processo, que começa no ministério, mas passa pelo Judiciário e pelo Congresso.
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2) O que o Minicom nunca fez – O Ministério das Comunicações nunca cuidou da comunicação oficial do governo, em nenhum governo. A junção da Secom com o Minicom é algo inédito e não sabemos, portanto, tudo o que pode dar errado, ou se pode dar certo. Provavelmente será um foco de problemas. Considerando que cabe ao ministério regular e outorgar empresas de radiodifusão, ter na outra ponta o papel de interagir institucionalmente com os órgãos de imprensa e liberar verbas de publicidade pode ser algo bastante questionável. Lembrando que as verbas de publicidade estatais também circulam para veículos impressos e empresas de Internet, o que amplia o nível de interlocução do Minicom para além do universo da TV e do rádio.
3) A radiodifusão pública – O Ministério das Comunicações há muito cuida da radiodifusão pública, especialmente rádios comunitárias. A novidade é que agora está sob competência do Minicom o "sistema brasileiro de televisão pública", algo que não está claramente definido na legislação e que, supõe-se, esteja ligado à gestão da EBC (empresa Brasil de Comunicação), estatal que também ficou sob a batuta do Minicom.
4) Pautas urgentes em telecomunicações / decreto do novo modelo – Em setembro de 2019 foi aprovada a Lei 13.879/2019, que estabelece o novo modelo de telecomunicações. Ela faz, em essência, duas coisas: permite que as antigas concessões de telefonia (STFC) sejam migradas para autorizações (com menor carga regulatória) e permite a renovação sucessiva de autorizações de uso de espectro, algo vital para as operadoras de telefonia móvel. Cabe ao ministério propor ao presidente da República o decreto regulamentando a lei e especificar as diretrizes políticas. O problema é que desde outubro de 2019, pelo menos, essa regulamentação está sendo discutida. O ponto polêmico é, principalmente, se as atuais autorizações de uso de espectro poderiam ser renovadas ou se isso só valeria para as novas autorizações, outorgadas depois da lei. A consultoria jurídica do antigo MCTIC é contra a renovação para as autorizações antigas, assim como a procuradoria jurídica da Anatel. Algumas autorizações expiram este ano e há grande insegurança das operadoras sobre este tema. O problema é que o novo Minicom não terá, por enquanto, uma consultoria jurídica própria, então as negociações sobre a redação deste decreto retomam com Fábio Faria de onde estavam: na Conjur do MCTI.
5) Pautas urgentes de telecom / leilão do 5G – Esse assunto, a rigor, é responsabilidade da Anatel e o que o ministério tinha que ter feito, já fez. Mas são recorrentes as notícias de que o presidente Jair Bolsonaro voltará a pressionar a agência para deixar fornecedores chineses (sobretudo a Huawei) de fora do mercado de 5G, por alinhamento automático com os EUA. Essa pressão deve recair sobre o Minicom, que terá o papel ingrato de convencer a Anatel (que é quem regula o setor) a estabelecer restrições técnicas que atendam ao Planalto. Nesse aspecto, as operadoras de telecomunicações são terminantemente contrárias à interferência estatal na escolha de fornecedores, pois alegam que isso poe encarecer e atrasar o desenvolvimento da tecnologia. Há também a questão do timing do leilão e das prioridades. De novo, é uma atribuição da Anatel, mas é de se esperar que o ministério pelo menos se manifeste sobre a oportunidade de adiar ou não a licitação para 2021 e se o edital será focado na arrecadação de recursos ao Estado ou em investimentos em infraestrutura.
6) Conflitos entre radiodifusores e empresas de telecom / a faixa de 3,5 GHz – As duas áreas sob a competência do ministério de Fábio Faria (telecom e radiodifusão) têm atritos. E um deles se dá justamente no edital de 5G. As emissoras de TV utilizam sinais de satélite para distribuir seus sinais (TVRO). Essas transmissões se dão na chamada banda C, que opera na frequência de 3,5 GHz. E esta mesma frequência, grosseiramente falando, será leiloada para as operações de 5G. Isso provoca interferências. Para resolver o problema de interferências, as emissoras de TV sugerem que o dinheiro do leilão banque a migração das transmissões via satélite para outra frequência (banda Ku), mas isso custa mais de R$ 7 bilhões. Já as operadoras de telecomunicações apostam que será possível mitigar a interferência apenas instalando filtros nas parabólicas, ao custo de R$ 500 milhões. Só que a Anatel não está convencida desta solução. No final das contas, a decisão será privilegiar a transmissões de TV via satélite ou privilegiar mais recurso para a banda larga móvel. Decisão, obviamente, política, que passará pelo Minicom.
7) Conflitos entre radiodifusores e empresas de telecom / o dinheiro da EAD – Em 2014 a Anatel vendeu a faixa de frequência de 700 MHz para o 4G. Mas esta faixa era ocupada por emissoras de TV. Para "limpar" a faixa para a banda larga móvel foi preciso digitalizar os sinais de TV em cerca de 1,4 mil cidades, tarefa que foi bancada pelas empresas de telecomunicações que compraram a faixa de 700 MHz, e criaram uma associação (a EAD) voltada para esse fim. Foram comprados e distribuídos mais de 12 milhões kits de TV digital para a população de baixa renda (Cadastro Único) nestas cidades, e feito um intenso trabalho de divulgação para estimular as pessoas a trocarem seus aparelhos analógicos. O processo foi um sucesso, a digitalização ocorreu sem contratempos e ainda se economizou R$ 1,4 bilhão do orçamento. O problema é como gastar esse dinheiro agora. As emissoras querem que o dinheiro seja utilizado par continuar a digitalização da TV aberta nos demais municípios. Mas as teles não querem ficar com essa responsabilidade. O antigo MCTIC até havia previsto usar uma parte desses recursos para programas de banda larga na Amazônia, mas além de entraves jurídicos, resta a dúvida de quem seria responsável. As teles, certamente, não querem nem chegar perto de um projeto como esses.
8) Plano Geral de Metas de Universalização V – As concessões de telefonia fixa outorgadas na privatização da Telebrás, em 1998, vencem em 2025. Até lá, a cada cinco anos, o governo estabelece por decreto o Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU). Em geral, a troca se dá a cada cinco anos. O próximo PGMU, de número cinco, vai viger de 2021 a 2025, e caberá ao Minicom decidir o formato, com base em uma proposta elaborada a ser elaborada pela Anatel. O assunto é problemático porque significa, de um lado, estabelecer políticas de universalização para um serviço que ninguém mais quer (telefonia fixa). E, de outro, zelar pelo interesse público, já que as obrigações podem ser "valoradas" e trocadas em políticas públicas. Nesse ponto voltamos ao item 4. Enquanto o governo (Minicom) não regulamentar o novo modelo, fica impossível aplicar esses recursos em políticas de qualquer outra coisa que não seja telefonia fixa.
9) Internet das Coisas – A Internet das Coisas (IoT), é uma das revoluções que aos poucos veremos tomar o ambiente das telecomunicações, com mais e mais dispositivos conectados e conectividade ubíqua em nossas vidas. Este sempre foi um assunto tratado pelo Ministério das Comunicações, mas que com o MCTIC ficou mais próxima das áreas de políticas digitais e inovação, que não vieram junto com o Minicom de Fábio Faria. Não é um problema em si isso ficar separado das políticas de telecomunicações, mas há muita sobreposição entre as áreas e uma proximidade é desejável. A questão tributária para os serviços de telecomunicações é crítica. Para Internet das Coisas, ela é inviabilizadora, e são problemas totalmente correlacionados. Será necessária uma boa coordenação entre MCTI e Minicom para que as soluções andem. Sem isso, o mercado de IoT no Brasil será limitado.
10) Estratégia Brasileira de Transformação Digital – entre as agendas essenciais para o futuro do país estão as políticas de transformação digital. Desde 2016 existem linhas gerais dessa estratégia já formuladas, mas a implementação depende de uma articulação interministerial complexa. O governo não é protagonista da transformação digital da sociedade, mas ele é facilitador em várias frentes, desde a indução de empresas por meio de compras públicas até a preocupação com a qualificação de mão de obra, passando pela regulação adequada, desburocratização para o desenvolvimento de empresas entre outros temas. Esse tema estava com a secretaria de telecomunicações.
11) Regulação de Internet – Nem o Ministério das Comunicações nem a Anatel regulam a Internet. A rigor, Internet é algo não regulado, que segue apenas legislações principiológicas, como o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados. Mas cada vez mais há uma pressão para regulações tributárias e concorrenciais nesse ambiente digital, considerando o peso econômico e social das empresas que exploram esse mercado, e o Minicom poderá ou não ser protagonista, caso esses debates ocorram no Brasil. De qualquer maneira, a Lei Geral de Proteção de dados prevê a criação de uma Autoridade de Proteção de Dados e de um conselho para este fim, e como o setor de telecomunicações e mídia são atores centrais da nova economia digital, seria importante uma proatividade do Minicom nesse campo. Lembrando que, sobretudo após a pandemia, a percepção da essencialidade da conectividade e das telecomunicações de maneira geral no ambiente digital só fez aumentar.
12) Marco normativo da TV por assinatura – Essa é uma encrenca que está na mão da Anatel resolver, mas que passa pelo Congresso e, portanto, terá que passar pelo Ministério das Comunicações como formulador e ator político. A agência reguladora de telecomunicações tem que resolver um processo que corre desde o final de 2018, em que a operadora Claro questiona a oferta de canais de TV diretamente ao consumidor pela Internet. A operadora alega que isso é TV por assinatura. A TV por assinatura é um serviço de telecomunicações regulado pela Anatel e que tem lei específica (Lei do SeAC), que impõe uma série de obrigações, enquanto serviços de internet são considerados Serviços de Valor Adicionado. O enquadramento como SVA da distribuição via internet destes canais de TV , com a consequente liberação dos canais para a oferta de conteúdos pela Internet, pode significar para os operadores de TV paga tradicionais uma concorrência assimétrica. Por outro lado, o consumo de TV pela Internet cresce (inclusive com forte atuação de serviços clandestinos, piratas) enquanto a TV por assinatura tradicional perde mercado desde 2014. O caminho parece ser uma reforma ampla da legislação, ajustando as regras, mas isso toma tempo e o Brasil tem ficado para trás na oferta de novos serviços.
13) Modernização do marco legal da radiodifusão – As principais leis que regem o setor de televisão aberta são da década de 1960. O setor de radiodifusão é regulado de uma maneira anacrônica, sem preocupação econômica e concorrencial e com um foco em situações de mercado que não fazem mais sentido no novo contexto tecnológico, como a limitação da multiprogramação, a exigência de redes próprias, e a distribuição pela Internet. Tampouco há algum tipo de política pública que assegure a efetiva universalização e competição no ambiente da TV aberta ou obrigações de atendimento e qualidade por parte dos radiodifusores. Muitos sequer entraram na era da TV digital, que já existe há pelo menos 12 anos no Brasil. Desde 1998, muitos estudos foram feitos sobre como regular e moderniza esse marco legal, e nada disso avançou pela absoluta falta de interesse do setor de radiodifusão. Nem mesmo informações básicas sobre o mercado, como faturamento, número de empregados, horas produzidas, sustentabilidade econômica das empresas entre outros elementos básicos de regulação o Minicom tem.
14) Telebrás – estatal, depois de entrar em hibernação funcional após a privatização de 1998, foi recriada em 2010 para atuar como provedora de serviço no mercado de banda larga nas regiões em que não houvesse interesse da iniciativa privada. Com o tempo e com as diferentes mudanças de prioridades, gestões e governos, a estatal virou uma empresa com foco em atendimento sobretudo ao próprio governo, algo que já era feito pela iniciativa privada e que onde a Telebrás só avançou porque lhe foi assegurada dispensa de licitação. Fato é que os dois pontos altos da estatal nesta sua segunda existência foram o atendimento com rede aos estádios da Copa do Mundo e o lançamento do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicação (SGDC) em 2017, com capacidade para atendimento a projetos de comunicação civis e militares. O projeto do satélite não encontrou viabilidade econômica e a Telebras precisou, em 2018, recorrer a uma parceria com uma empresa norte-americana, a Viasat, para conseguir operacionalizar os serviços. A Telebrás segue dando prejuízos recorrentes e não tem capacidade de se financiar. Mesmo a continuidade do projeto SGDC depende de recursos que não existem ainda. Lembrando que o SGDC é menina dos olhos das Forças Armadas. Por outro lado, a presença da estatal no setor de telecomunicações, sobretudo como competidora na oferta de serviços governamentais e de satélite, é bastante criticada pelas empresas privadas. A Telebrás está na lista de empresas privatizáveis, mas os interesses militares no SGDC são certeza de que nada será simples nesse processo.
15) Fundos setoriais – O setor de telecomunicações tem uma miríade de fundos e contribuições setoriais. Há o Fundo de Universalização (Fust), o Fundo de Desenvolvimento Tecnológico (Funttel), O Fundo de Fiscalização (Fistel), a Contribuição para o Desenvolvimento do Cinema (Condecine), a Contribuição para a Radiodifusão Pública (CFRP, que aliás subsidia a EBC, agora sob a gestão do Minicom)… São nada menos do que R$ 4 bilhões pagos ao ano, dos quais apenas uma mínima parte referente ao orçamento da Anatel e algumas aplicações do Funttel são revertidos ao setor. Há duas questões na mesa: a extinção, e eventual recriação dos fundos, o que pode acontecer caso a PEC 187/2019 vá adiante; ou a aprovação do PL 172/2020, agora no Senado, que reforma o Fust e permite que ele seja aplicado para projetos de banda larga e para viabilização de políticas de acesso. O problema mais crítico, que é o Fistel, onde se cobra uma taxa de cada celular em funcionamento, está longe de uma solução, e o uso de recursos das telecomunicações para fomento do audiovisual e da TV pública (que hoje tem características de uma TV estatal) também são bastante questionados pelas operadoras, inclusive na Justiça.
16) Reforma tributária – Quando, e se, o assunto voltar à prioridade do governo e do Congresso, o setor de telecomunicações precisará ter papel importante no debate, considerando que paga R$ 66 bilhões ao ano em tributos e a carga tributária sobre serviços de telecomunicações é a mais alta no mundo no Brasil, superando os 43% do total pago pelos consumidores. Para o Minicom, o papel de articulador com governos Estaduais é fundamental, considerando-se que é ali que está a maior pressão tributária, pelo ICMS.
17) OCDE – O Brasil está em processo de avaliação de suas políticas de telecomunicações, radiodifusão e estratégia de transformação digital por parte da OCDE. Essas avaliações são consideradas passos importantes para a eventual entrada do país na organização, tão almejada pela área econômica do governo. Qualquer retrocesso institucional nessas áreas avaliadas ou que demonstre perda de transparência, fisiologismo, desalinhamento com boas práticas internacionais pode ser um potencial complicador para o ingresso no clube.
Fonte: Teletime News de 15 de junho de 2020, por Samuel Possebon.
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