quarta-feira, 3 de junho de 2020

Claro diz que mudanças de regras de TV paga não podem ser casuísticas e devem esperar Congresso e STF

O debate sobre a regulamentação de TV por assinatura volta a chegar em um momento crítico: de um lado, a Anatel está na iminência de decidir sobre a tomada de subsídio feita em 2019 para construir um entendimento final sobre a oferta de canais lineares pela Internet. Até aqui, tanto as áreas técnicas quanto jurídicas da agência entendem que esse tipo de serviço pela Internet não se caracteriza como serviço de telecomunicações e, portanto, não precisa seguir a Lei 12.485/2011, ou Lei do SeAC, que rege o mercado de TV paga. Mas a palavra final ainda cabe ao conselho diretor da Anatel.

Diante desta decisão iminente, a Bravi, associação que representa produtores independentes de conteúdos audiovisuais, foi ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a agência, defendendo que a Lei do SeAC se aplica a todos os meios por ser a lei que regulamenta a Constituição. Até aqui, os pareceres de diversas áreas do governo, da AGU à Sub-Chefia de Assuntos Jurídicos da Presidência, passando pelo MCTIC, Economia e pela própria Anatel, sustentam a tese de que conteúdos na Internet não devem seguir a mesma regra da TV paga tradicional.

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A Claro é uma das principais interessadas no assunto, por ser a maior operadora de TV por assinatura do Brasil e por ter feito a provocação inicial à Anatel sobre o tema em 2018, questionando a oferta dos canais Fox na Internet. A operadora pediu recentemente para que a agência espere o Supremo se manifestar para decidir. Mas nesta entrevista, Fabio Andrade, VP de relações institucional da Claro e membro do Conselho de Comunicação Social do Congresso, vai mais longe: diz que a Anatel não pode tomar uma decisão casuística e que gere assimetrias competitivas, pede que qualquer liberação para a oferta de serviços pela Internet seja aplicada a todos os operadores e sugere que a agência pode estar usurpando atribuições do Congresso.

TELETIME – Vários órgãos do governo, da AGU à Presidência da República, se posicionaram alinhados à tese de que a distribuição de canais lineares pela Internet não é SeAC. Isso aconteceu nesta ação movida pelos programadores independentes no Supremo, que questiona um eventual entendimento da Anatel nessa linha. Como a Claro vai se posicionar?

Fábio Andrade – Gostaria de passar aqui a visão institucional, e essa visão é a de sempre: não se pode fazer uma interpretação casuística da lei, e sabemos que o Supremo, quando julgar essa ação, terá essa mesma interpretação. A lei existe, já foi julgada Constitucional e tem que valer para todos que atuam no Brasil. O que a Anatel fará, se prevalecerem no Conselho Diretor as teses dos pareceres das áreas técnicas e da área jurídica, é uma interpretação que só favorece e muito a Globo, que é a maior interessada em liberar esse modelo de negócios, criando a absurda situação do mesmo serviço ser oferecido de dois jeitos: um com pouquíssimas obrigações, tributos e regulamentos; e outro com uma lista de exigências que se listadas aqui seria até cansativo para os leitores .

TT – Não é só a Globo que defende a tese de que canais lineares na Internet são Serviços de Valor Adicionado. Grandes grupos estrangeiros, como Disney/Fox e WarnerMedia defendem a mesma tese, assim como as empresas de Internet, e até mesmo outras empresas de telecomunicações, como Telefônica, Oi e Sky entendem que não se deve aplicar a Lei do SeAC para a distribuição de conteúdos pela Internet…

FA – Mas entre os grupos de mídia brasileiros há posições diferentes e quanto aos grupos de mídia estrangeiros serão muito bem vindos no Brasil, mas, desculpem, tem uma lei que precisa ser cumprida. Os produtores de conteúdo independentes são contra essa tese, e foram inclusive eles é que levaram a questão ao Supremo. A cadeia de valor da TV por assinatura gera milhares de empregos. A Lei do SeAC está sendo cumprida desde 2011 por diferentes setores que fizeram investimentos baseados nesse modelo e que assumiram uma série de obrigações dentro destas regras. Mudar a regra do jogo por uma canetada da Anatel é usurpar a vontade do Congresso Nacional e desrespeitar contratos, desrespeitar quem investe e investiu no País.

TT – A Claro defende a manutenção da Lei do SeAC como está?

FA – A Claro defende a lei, e a lei que existe é essa. Se é ruim, vamos ao congresso e trabalhamos para mudar a lei. Não se pode é ignorá-la e inventar um novo modelo bordeando a lei. Isso favorece a quem? Ao consumidor, não creio. O SeAC é a lei setorial. Foi nela em que nos baseamos para fazer investimentos de bilhões nos últimos anos, seguindo todas as regras e regulamentos feitos pela Anatel e pela Ancine, e todas as obrigações tributárias. Defendemos que a lei seja cumprida por todos aqueles que querem explorar o mercado de TV por assinatura no Brasil. Não se pode driblar a lei com interpretações casuísticas. Se a lei vai deixar de valer, precisa deixar de valer para todo mundo, inclusive para nós. Todo mundo quer um mercado desregulado, inclusive a Claro, mas isso precisa valer para todo mundo. Existem nove projetos tramitando no Congresso sobre isso. Por que a pressa da Anatel? Não seria mais prudente esperar esse debate amadurecer no Congresso? A própria agência se manifestou junto ao Supremo, então deveria esperar o julgamento lá para decidir. Acho inclusive desrespeitoso com a alta Corte do País votar um tema que o STF em breve vai levar ao pleno. Para que o açodamento?

TT – Você menciona os projetos em tramitação no Congresso que mudam a Lei do SeAC. Alguns deles defendem que as regras da Lei do SeAC passem a valer para os modelos oferecidos pela Internet. A Claro concorda com essa proposta?

FA – Eu sou, por formação política, um admirador do Congresso, e o Congresso tem o poder de fazer o que quiser, mudar o SeAC , criar novos modelos, o Parlamento com certeza teria preocupações que não estou vendo a Anatel ter neste momento. É preciso lembrar que a Lei do SeAC foi fruto de um amplo acordo entre vários setores e tem mecanismos de defesa da produção nacional, dos radiodifusores nacionais e dos interesses do Poder Público, como a obrigação de carregamento dos canais do Legislativo, como TV Câmara e TV Senado e das Assembleias Legislativas, da TV Justiça. Quem é que vai carregar esses canais se não houver mais estas regras? Quem é que vai assegurar a distribuição de conteúdo brasileiro independente na Internet? Essas preocupações eu tenho e tenho certeza que o Congresso também as tem, e por isso discute os novos modelos

TT – Mas foram vocês que provocaram a Anatel a tomar uma posição, quando questionaram a oferta dos canais Fox e Turner em 2018.

FA – Nossa área jurídica e regulatória sempre teve convicção da nossa tese, tanto que fizemos uma denúncia de prestação irregular de serviços de telecomunicações. Não tem problema oferecer conteúdo pela Internet: tira uma outorga de SeAC, que custa barato, e cumpre as obrigações legais e regulatórias. Custa só R$ 900,00 a licença. A Anatel decidiu construir um entendimento mais amplo, para todos os casos, mas tudo indica que caminha para uma solução assimétrica e casuística. Não dá para simplificar a questão pois estamos falando de aplicar ou não uma lei aprovada pelo Congresso, fora as implicações tributárias. Como serviço de telecomunicações, a TV por assinatura prestada dentro das regras do SeAC recolhe bilhões de ICMS todo os anos para os Estados. Se a Anatel muda o entendimento, o que vai acontecer é que todo mundo vai para o modelo de Serviços de Valor Adicionado, e só vai recolher ISS para os municípios. São mais de R$ 8 bilhões por ano que a Claro paga em ICMS.

TT -Isso não é bom para a Claro também?

FA – Todo mundo vai ter segurança jurídica para mudar de modelo? Temos 7,5 milhões de assinantes de TV por assinatura. Então vou dizer para a Receita que não vou mais pagar ICMS porque a Anatel disse que não precisa, que agora TV por assinatura é Serviço de Valor Adicionado. Vou deixar de carregar os canais obrigatórios como TV Câmara, TV Senado, TV Justiça e explicar para os parlamentares que eles saíram do ar porque a Anatel decidiu que é Serviço de Valor Adicionado. Vou deixar de levar conteúdos nacionais independentes e cumprir cotas porque a Anatel decidiu que é Serviço de Valor Adicionado. A agência vai bancar? Ou vai dizer que todo mundo é Serviço de Valor Adicionado, Globo, Disney, AT&T, Youtube, menos a Claro? Porque se for isso haverá uma assimetria inadmissível.

TT – E qual a solução?

FA – A Anatel deveria esperar o Supremo dizer o seu entendimento, porque o que os produtores questionam é importante: eles têm a tese de que a lei do SeAC regulamenta a Constituição. Tem que lembrar que o STF já julgou a Lei do SeAC à luz das regras de Comunicação Social. A Constituição tem uma série de princípios que se aplicam sobre a Comunicação Social e que estão reforçados na Lei do SeAC. Esses aplicativos de Internet que distribuem conteúdos de TV são Comunicação Social, então como fica o cumprimento deles a esses princípios Constitucionais?

TT – E o marco legal fica como está?

A Anatel deveria contribuir com o Congresso na discussão de um novo marco legal que seja justo para todos os atores. Seria mais legítimo e respeitoso. Mas esse tema deve ser discutido no Congresso, palco legítimo, que pode até decidir pela extinção do SeAC, propondo uma régua de prazo de aplicações, equivalência de obrigações etc. A Anatel, a meu ver, deveria tratar disso no limite de sua interlocução com o Congresso, e não resolvendo por conta própria.

Fonte: Teletime News de 26 de maio de 2020, por Samuel Possebon.

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