O deputado Marcelo Ramos (PL-AM) quer que aplicativos com mais de 5 milhões de usuários e que atuam no Brasil tenham representante legal no País com poderes para receber citações, intimações ou notificações, em qualquer tipo de ação, sejam elas judiciais ou procedimentos administrativos, para responder perante órgãos e autoridades governamentais, do Poder Judiciário e do Ministério Público. O não cumprimento da medida prevê o bloqueio das atividades no Brasil.
O vice-presidente da Câmara dos Deputados quer ainda que todas as informações relativas a estes representantes estejam disponibilizadas nos sites das empresas. Além disso, Ramos também propõe que as aplicações mantenham acesso remoto, a partir do Brasil, aos seus bancos de dados com informações referentes aos usuários brasileiros como forma de guardar conteúdos nas situações previstas em lei.
No caso de descumprimento da regra, Marcelo Ramos propõe que os órgãos gestores da Internet no Brasil e os provedores de acesso – ou seja, as operadoras e prestadoras de pequeno porte – deverão adotar as medidas técnicas para garantir que as aplicações tenham seu funcionamento bloqueado no Brasil.
As propostas do deputado Marcelo Ramos estão previstas no projeto de lei 397/2022, que ainda aguarda despacho de tramitação da Mesa Diretoria da Câmara dos Deputados.
Caso Telegram
Na justificativa do projeto, nota-se que Marcelo Ramos cita os exemplos dos aplicativos de mensagens privadas, como o Telegram. Atualmente, o aplicativo ficou ameaçado de ser suspenso de atuar no Brasil por não colaborar com as autoridades judiciais brasileiras, mas acabou obedecendo nesta semana à ordem do Supremo Tribunal Federal (STF) e bloqueou perfis e canais bolsonaristas para evitar sair do ar.
Para Ramos, os aplicativos de mensagens instantâneas privadas, sobretudo aqueles que possuem uma base de milhões de usuários, adquirem um poder sobre os demais em decorrência do chamado "efeito rede", ou seja, eles se tornam quase que serviços essenciais. "Isso decorre do fato de que, se a maior parte dos cidadãos está usando esse aplicativo para se comunicar, torna-se quase que obrigatório a adesão ao mesmo para um cidadão ainda não conectado", explica o parlamentar.
Para João Brant, Diretor do Instituto Cultura e Democracia, coordenador do projeto Desinformante, a proposta apresentada pelo deputado Marcelo Ramos estabelece uma obrigação fundamental, "positiva no mérito", disse o especialista. Mas ele lembra que medidas semelhantes estão delineadas no projeto de lei 2.630/2020, o PL das Fake News. "Já temos medidas parecidas previstas no PL 2630, que também traz regras relevantes de moderação de conteúdo. Seria melhor que a questão fosse resolvida ali", afirmou Brant. O PL 2.630/2020 está previsto para ser votado agora em março.
Brant, juntamente com outros especialistas, participaram de um painel do Seminário de Políticas de (Tele)Comunicações que aconteceu no começo de fevereiro e defenderam que as sanções colocadas no Projeto de Lei 2.630/2020 (PL da Fake News) apresentam um bom caminho inclusive para o caso do Telegram.
Efeitos para o Brasil
Na avaliação de Luiza Brandão, diretora do Instituto de Referência em Internet e Sociedade (IRIS), o PL parece tentar solucionar o problema de alcance, pelas autoridades nacionais, de empresas que funcionam na economia digital global e que apesar da demarcação de que o texto atinge provedores acima de 5 milhões de usuários, ficam alguns questionamentos
"Apesar do critério, o número é bastante relativo em termos da amplitude que serviços digitais alcançam. Então, surge a dúvida de como esse critério foi definido? Existem evidências sobre esse número ou que tipo de ente ele abarcaria? É preocupante no contexto global, pois poderia restringir ainda mais um mercado, já protagonizado por poucos atores, e inibir que outros crescessem e se interessassem pelo Brasil", explica Brandão.
Ela também avalia que apesar da boa intenção do PL de facilitar o exercício da autoridade estatal, a proposta precisa amadurecer em mais critérios, possíveis efeitos não apenas para o Brasil, mas em como as tecnologias se estruturam globalmente e também em proporcionalidade. "Isso porque prevê, diretamente, ordem de bloqueio, que seria medida mais extrema relacionada às aplicações e está ligada à preocupação de fragmentação da internet global. Percebe-se a necessidade de também dialogar com outras normas já vigentes no direito brasileiro, a respeito da guarda de dados e seu controle, a exemplo da LGPD e do MCI", finaliza a pesquisadora.
Fonte: Teletime News de 2 de março de 2022, por Marcos Urupá.
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