O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o Judiciário não pode anular cláusula de contrato de concessão de serviço público firmado por agência reguladora que, fundamentada em lei, autoriza reajuste de tarifa telefônica em percentual superior ao índice inflacionário estipulado. A decisão, de repercussão geral, foi tomada em sessão virtual que julgou Recurso Extraordinário (RE) de número 1059819.
A maioria dos ministros acompanhou o entendimento do relator do RE, ministro Marco Aurélio (aposentado), de que a interferência do Judiciário em ato autorizado pela Anatel afronta o princípio da separação dos Poderes.
Preços mais altos
O caso teve origem em ação civil pública ajuizada na Justiça Federal de Pernambuco pelo Ministério Público Federal e a Diretoria de Defesa e Proteção do Consumidor (Procon) contra a Anatel para questionar a fórmula adotada para majorar os preços dos serviços. O argumento foi o de que o contrato de concessão limita a média dos aumentos ao Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI) da Fundação Getúlio Vargas, registrado em 14,21% de maio de 1999 a maio de 2000. Contudo, a Anatel havia autorizado aumentos nas tarifas da Oi (na época, Telemar) de 19,89% na assinatura residencial, de 24,47% na não residencial e 24,46% na assinatura PABX.
Na primeira instância, o pedido foi julgado procedente para declarar a nulidade da cláusula do contrato de concessão que previa o aumento, fixando a variação do IGP-DI como teto para o aumento de cada item tarifário. Ao julgar apelação, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5) manteve a sentença, destacando que o incremento de 9% além do IGP-DI para o reajuste de itens tarifários relativos a serviços telefônicos que são mais utilizados pelos usuários é abusiva e excessivamente onerosa ao consumidor, ainda que a média global do aumento não atinja aquele índice.
No recurso ao STF, a Oi sustentou que não caberia ao Judiciário fixar critérios contratuais, que são de competência da agência reguladora. A concessionária apontou ofensa aos princípios da separação dos Poderes e da legalidade, que exigem do administrador público a observância dos comandos normativos decorrentes do poder regulamentar da Anatel.
Anatel no seu papel
Para o ministro Marco Aurélio, a atuação da Anatel não excedeu o previsto na legislação. Ele observou que o artigo 19 da Lei Geral das Telecomunicações (Lei 9.472/1997) atribui à agência a incumbência de proceder à revisão de tarifas e homologar reajustes, e o artigo 103 autoriza a utilização da média ponderada dos valores dos itens tarifários. "A Anatel, mediante os Atos 9.444 e 9.445, homologou reajuste tarifário com base em cláusula de contrato de concessão", constatou.
O ministro citou o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4679, em que o Supremo assentou que a revisão judicial de marcos regulatórios requer a autocontenção do Judiciário, em respeito tanto à competência do Legislativo para dispor sobre telecomunicações quanto à complexidade técnica do tema. A intervenção do Judiciário no âmbito regulatório deve se dar, segundo ele, com vistas ao controle de legalidade, respeitadas as capacidades institucionais das entidades de regulação e a discricionariedade técnica dos atos editados.
Tendo em vista que a majoração das tarifas telefônicas foi respaldada em ato da agência reguladora, nos limites da sua atuação, o ministro votou pelo provimento do recurso para reformar a decisão do TRF-5 e julgar improcedente a ação civil pública, mantendo válido o acréscimo de 9% no reajuste individual dos itens tarifários acima do IGP-DI.
Seguiram o relator a ministra Cármen Lúcia e os ministros Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso e Nunes Marques. Ficaram vencidos os ministros Edson Fachin e Dias Toffoli e a ministra Rosa Weber, que negavam provimento do recurso. O ministro André Mendonça não votou, por ser o sucessor do ministro Marco Aurélio.
Fonte: Teletime News de 3 de março de 2022, por Marcos Urupá.
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