O Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) trabalha em um Plano Nacional de Internet das Coisas (IoT), que atualmente está em fase de análise das contribuições da consulta pública encerrada recentemente. E nesta semana, em parceria com Anatel, operadoras, academia, centros de desenvolvimento tecnológico e indústria, promoveu a criação do Projeto 5G Brasil, visando fomentar a construção de ecossistema e avançar na participação brasileira em discussões internacionais. Mas, além das políticas públicas, há uma necessidade de transpor uma questão técnica: "Existe o caminho crítico que é a padronização, esse é um programa de trabalho de normas extremamente ambicioso e complexo, com atores internacionais importantes", declara o professor Raul Colcher, membro sênior do Instituto de Engenheiros Eletricistas Eletrônicos (IEEE).
Ele afirma serem importantes as iniciativas governamentais, assim como o interesse da indústria, mas que o estabelecimento de padrões e modelos de arquitetura são "cruciais" e vão acabar por definir a IoT antes de qualquer regulação ou política. E justamente nesse processo crucial de padronização, o País não conta com presença importante nos fóruns internacionais como em décadas passadas, diz o pesquisador. "O Brasil vai ter que se adaptar, correr atrás, e infelizmente a indústria nacional vai sofrer, porque vai comprar os standards da mão de outros, então sua competitividade vai diminuir", alerta.
Com o desenvolvimento intimamente relacionado à Internet das Coisas, a quinta geração de redes móveis também ainda se encontra em processo de definições de padrões. Colcher lembra que nesse caso, há menos entidades envolvidas no trabalho, como o 3GPP e a União Internacional de Telecomunicações (UIT). "É menos do que em IoT, que a torcida do Flamengo toda quer influir na normatização", diz. Destaca a iniciativa do governo federal com o Projeto 5G Brasil, e acredita que isso mostra interesse em investimentos, sobretudo no contexto das teles, que estão em fase conturbada nas finanças (no caso da Oi) e no ambiente regulatório (com as discussões do novo modelo no PLC 79/2016).
Mas, além da 5G, a grande aposta das operadoras para a Internet das Coisas será no uso de tecnologias específicas, como NB-IoT e LTE-M, que visam uso da rede móvel com baixo consumo energético e de dados. Colcher lembra que o uso de frequências não licenciadas exige cuidado com a questão de interferência e da falta de "regulação eficaz ou controle de agência, privado ou governamental", mas que não adianta tentar deter um mercado apenas pelo risco eventual. "É virtualmente impossível dados os interesses econômicos e estratégicos. Isso vai continuar em frequências reguladas ou não."
Colcher explica que a IoT, no sentido estrito, não é a mesma coisa que comunicação máquina-a-máquina (M2M), uma vez que a nova tecnologia exige ambiente de acesso e interface inteligente com humanos e dispositivos, sem prévia negociação. "Esse é um programa para uma década, vai acontecer progressivamente. As pessoas estão falando em IoT de maneira mais ampla, que é comunicação M2M de maneira fechada, de protocolos fechados, então é a infância do processo", conta.
Carros inteligentes
Uma pesquisa da Datafolha encomendada pelo IEEE e divulgada no final do ano passado identificou tendências tecnológicas para 2017 para os brasileiros e, entre itens como smartphones e baterias melhores, o carro inteligente foi citado tanto como uma tecnologia influente (para 29%) como dentre elemento que as pessoas desejam ver disponibilizadas durante o ano (22%). Para além da conectividade, os carros autônomos também deverão começar a aparecer no horizonte com sua necessidade de uso justamente desses padrões de IoT e 5G. Raul Colcher diz não ter conhecimento de projetos importantes nessa área no Brasil, sendo "mais uma área em que o País comprará (padrão) pronto". Ele prevê que não haverá projetos importantes em carros autônomos além de "iniciativas acadêmicas pequenas de partes de sistemas" em curto prazo, e que ainda falta conhecimento tanto da parte do governo como das agências especializadas – no caso, Anatel e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).
O professor do IEEE acredita que essa tecnologia acabará com o status quo da indústria automotiva, que olha para novos entrantes como ameaças e tende a se posicionar a contrapor as próprias tecnologias para tentar manter a posição estratégica. "A Tesla e o próprio Google não são empresas desse setor, e no entanto estão desenvolvendo tecnologia de forma agressiva", declara. Mas isso significa que poderá haver oportunidades. "Com uma série de coisas que estão emergindo e têm de ser usadas coordenadamente, como a 5G, comunicações de alto desempenho, SDN, vão emergir com aplicações altamente sofisticadas e flexíveis e vão criar oportunidades para uma outra indústria, que não vai ser esta que está aí", diz.
"Está todo mundo um pouco no escuro ainda. As pessoas estão se movendo ainda, tentando garantir suas fatias nesse universo complexo", declara. O que falta, reafirma Colcher, é mais investimento em pesquisa e desenvolvimento na área. "Para você brigar competitivamente nessas áreas, é briga de cachorros grandes, não é coisa de entrar de mansinho", completa.
Fonte: Teletime News de 24 de fevereiro de 2017, por Bruno do Amaral.
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