"Agora, não se pode mais dizer que somos uma rede burra". Essa frase, dita pelo CEO mundial da Telefónica, José Maria Álvarez-Pallete, resume o que está sendo considerado pela empresa o lançamento estratégico mais importante dos últimos anos. Trata-se da Aura, uma plataforma de inteligência cognitiva para possibilitar aos usuários da Telefónica (inclusive no Brasil, até o final do ano) a gerenciarem e utilizarem suas informações pessoais, extraídas da rede e dos sistemas da empresa, para aplicações e serviços existentes ou que serão criados em conjunto com parceiros. Pallete falou brevemente com a imprensa após o anúncio. As chamadas "redes burras", ou "dumb pipes" na expressão consagrada em inglês no jargão de telecomunicações, são um conceito que atormenta o mundo das operadoras de telecom há anos, em contraponto às empresas de internet, que conseguem obter inteligência de serviços a partir do uso dos dados de seus usuários.
A apresentação da Telefónica feita a jornalistas nesse domingo, 26, antes do início do Mobile World Congress (MWC2017) em Barcelona, vai além da "assistente pessoal" Aura (no modelo dos/as assistentes pessoais como Siri, da Apple; Cortana, da Microsoft; Alexa, da Amazon; ou Google Assistant). Sim, a "assistente" Aura existe, conversa com o usuário por meio de reconhecimento de voz e faz o que as outras plataformas semelhantes fazem, num esboço do que a inteligência artificial promete trazer ao mundo digital. A Aura está integrada, por exemplo, à plataforma Echo, da Amazon, mas estará em apps da Telefônica, na web e em todos os canais de relacionamento.
Mas o projeto Aura é muito mais do que isso. É o que a Telefónica está chamando de quarta camada, chamada de camada cognitiva, que se complementa à camada de rede, à camada de sistemas e plataformas de IT e à camada de serviços e aplicações, infraestruturas que receberam 45 bilhões de euros de investimento nos últimos anos, mas que, segundo a empresa, ainda não davam conta de um ambiente de inteligência de serviços. "Dentro da nossa estratégia digital quisemos ir além e dar ao nosso usuário o poder de controlar e de tirar vantagem das informações e dados pessoais que ele tem conosco", disse Chema Alonso, Chief Data Officer (CDO) da Telefónica durante a conferência.
Ele explica que essa camada é como um "cérebro" que processa todas estas informações e interage com os clientes da empresa, por comando de voz ou pelo site e aplicativo. Ela permite desde o controle de uso da rede, como bloqueio de acesso a dispositivos ao roteador wifi doméstico, ou a programação do gravador digital remotamente, passando por serviços, como realizar mudança de pacotes, compra de serviços adicionais, e chegando no que promete ser a grande mudança de jogo para a Telefónica: o compartilhamento e gestão de informações para aplicações criadas por parceiros.
É inegável que a estratégia é também um passo da empresa em direção a um novo ambiente de serviços e relacionamento com os consumidores (e, portanto, de negócios). Algo que as empresas de Internet têm conseguido fazer com maestria graças ao enorme volume de informações que obtêm e processam dos usuários.
A Telefónica assegura que não está vendendo informações de seus clientes para os parceiros. Segundo José Maria Álvarez-Pallete, a empresa monetiza os pesados investimentos que fez na plataforma com a redução do churn, a fidelização dos clientes e o fortalecimento das relações com os consumidores.
Ele não diz diretamente, mas sim, a operadora terá uma relação comercial com parceiros. Alguns, já anunciados, como o banco espanhol La Caixa. Uma das aplicações vislumbradas, explica John Stewart Foster, diretor de estratégia para o presidente da Telefônica, é que um banco possa, por exemplo, saber se o cliente efetivamente está em uma área uma compra foi realizada com o cartão de crédito; outra parceria possível, com uma seguradora que passaria a ter acesso ao padrão de deslocamento dos clientes para oferecer seguros mais baratos. "O importante é que o uso dessas informações permita, sempre, um benefício ao consumidor que terá que optar por compartilhar seus dados com esses parceiros, receber um benefício direto, e poderá sempre ter a possibilidade de não compartilhar nenhuma informação".
Para Chema Alonso, o fato é que os usuários têm informações espalhadas em diferentes lugares, inclusive com as operadoras de telecomunicações. O que a Telefónica está buscando é dar aos usuários o poder de escolher o que fazer com essas informações a partir das redes e sistemas. "Hoje, nosso foco é reduzir o churn, as reclamações, atrair nossos clientes, mas não vender os dados. Os dados pessoais pertencem ao usuário".
A plataforma Aura estará disponível em todos os países em que a Telefónica atua, incluindo o Brasil. Não por acaso, acompanharam o anúncio o presidente da empresa no Brasil, Eduardo Navarro, acompanhado do ministro de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Gilberto Kassab, do presidente da Anatel, Juarez Quadros, do senador Jorge Vianna (PT/AC) e do senador licenciado e secretário de educação da Bahia, Walter Pinheiro, entre outras autoridades.
Segundo informou a este noticiário Antonio Guzman Sacristan, diretor de inovação responsável pelo projeto, o foco principal é mudar uma forma como a companhia se relaciona com seus clientes e no futuro pensar em novos modelos de negócio. "Não estamos coletando nenhuma informação além do que já tínhamos, mas que ficavam em um nível operacional. O que estamos fazendo agora é dar controle dessas informações e permitir a individualização desses dados". Segundo ele, a plataforma está sendo preparada e ajustada para o Brasil e é uma prioridade, com o lançamento é esperado até o final do ano.
Segundo John Foster, ao longo dos três anos que a Telefónica se dedicou a este projeto houve um esforço de unificar as APIs e padronizar os dados da rede para que a plataforma Aura pudesse funcionar em todos os países. Chema Alonso citou especificamente o lançamento Reino Unido, Alemanha, Brasil (citado como um mercado extremamente importante para a empresa), Argentina e Chile.
A Telefónica trabalhou também com a Microsoft para desenvolver a tecnologia cognitiva. No lançamento, anunciou duas parcerias: uma com a Unicef, para que os usuários possam compartilhar informações que ajudem à plataforma de rastreamento de doenças; e com o Facebook, para compartilhamento de informações para o serviço Safety Check, que permite aos usuários compartilhem em suas redes seu status de segurança para o caso de desastres naturais.
Fonte: Teletime News de 26 de fevereiro de 2017, por Samuel Possebon.
Nenhum comentário:
Postar um comentário