A Lei nº
11.101/2005 – que neste mês completa 11 anos de vigência – substituiu o antigo
procedimento da concordata criado em 1945, trazendo novos mecanismos para que a
sociedade em crise possa se soerguer ao possibilitar a renegociação das suas
dívidas e a reestruturação das suas atividades para que o passivo não volte
mais a se acumular.Na prática, verifica-se que os motivos pelos quais uma
empresa requer sua recuperação judicial se dividem em três, dependendo do
momento e do objetivo que se pretende alcançar.
O primeiro motivo, ainda que menos comum por conta da cultura do empresário
brasileiro, diz respeito àquela empresa que, enxergando uma situação na qual
seus indicadores econômico-financeiros evidenciam que está caminhando para uma
crise, requer sua recuperação judicial de modo a sanar suas atividades antes
mesmo que tenha que se socorrer de operações financeiras com as quais nem
sempre consegue honrar.
Esse, diga-se de passagem, é o melhor momento para o ajuizamento da medida
recuperacional, uma vez que a empresa ainda não possui um passivo expressivo e
goza de credibilidade perante seus credores e seus agentes financeiros,
possibilitando, por outro lado, a implementação de medidas logísticas e
administrativas para sanear a sociedade.
Evidentemente, nenhum
credor deseja submeter seu crédito a um plano de recuperação judicial, seja
pelo fato de que terá que esperar, no mínimo, 180 dias para que os pagamentos
se iniciem, seja pelo fato de que, certamente, teria que arcar com o deságio
comumente previsto nos planos apresentados.
Todavia, sem sombra de dúvidas se trata de um cenário no qual o endividamento
do devedor ainda é de menor monta, possibilitando que a dívida seja quitada em
menor tempo e sem que o deságio seja demasiadamente excessivo, resultando,
assim, em uma perspectiva de recebimento pelo credor muito mais otimista do que
na hipótese em que o requerimento da recuperação judicial é postergado, o que
torna necessário o emprego de medidas muito mais severas.
Obviamente, nenhuma situação é igual à outra, mas podemos afirmar com certa
margem de certeza que a recuperação judicial ajuizada nesse estágio inicial da
crise tem chances muito maiores de ser realmente eficaz no saneamento da
empresa do que aquela requerida defensivamente, que é a segunda razão que será
demonstrada a seguir.
Por ter títulos protestados que somam ao menos 40 salários mínimos, ou por não
possuir bens para indicar à penhora ou disponibilidade de caixa para depositar
a quantia executada, o devedor entra em uma zona de risco na qual seus credores
podem pedir sua falência.Ainda que muitos dos credores, ao requererem a quebra
de uma empresa, o estejam fazendo unicamente para pressionar o devedor a pagar
a dívida – uma vez que, se esta não for paga ou repactuada, a falência será decretada
–, um cenário muito perigoso acaba se instalando.
Se o devedor possuir recursos para quitar a dívida no ato, ou se tiver um fluxo
de caixa que comporte a renegociação do débito, certamente optará por uma
dessas saídas para não deixar que seja decretada a falência de sua
empresa.Fazendo isso, o empresário, de certa forma, acena ao mercado que, se
for ajuizado um pedido de falência contra sua empresa, ele dará algum jeito de
pagar a dívida para evitar a quebra, incentivando, assim, a possibilidade de
que todos os demais credores façam a mesma coisa para receberem seus
respectivos créditos.
Vale ressaltar que, ao ser citado em um processo de falência, o devedor tem
apenas três opções: (i) pagar a quantia devida; (ii) contestar o pedido –
lembrando aqui que a defesa tem que ser absolutamente consistente de modo a
desconstituir integralmente a dívida objeto do pedido –; ou (iii) requerer a
sua recuperação judicial.
Quando o devedor requer sua recuperação judicial em defesa a um pedido de
falência, é forçoso se concluir que, em primeiro lugar, a dívida é válida, não
comportando defesa que afaste a possibilidade de quebra, e, em segundo, que não
há caixa disponível para pagamento ou renegociação da dívida.
Nessa situação em que o aperto de caixa limita o espaço para manobras, o
sucesso da recuperação judicial dependerá da imposição de duras condições de
pagamento aos credores, o que pode tornar a aprovação do plano inviável se o
processo não for bem conduzido pelos profissionais contratados pelo devedor.
A terceira razão para se requerer uma recuperação judicial, embora presente
desde o início da vigência da Lei nº 11.101/2005, começou a ter mais força com
a crise pela qual o Brasil está passando e com a consequente desvalorização da
moeda.Estabelece a supracitada lei que se o plano de recuperação prever a
alienação de uma filial ou unidade produtiva isolada do devedor, o juiz
determinará que se faça um leilão no qual o arrematante não será sucessor de
qualquer dívida, seja trabalhista, fiscal, bancária ou de qualquer outra
natureza.Assim, o arrematante dessa filial ou unidade produtiva isolada sabe
aos centavos o que está comprando, tendo o conforto e a segurança de que não
será surpreendido no futuro por algum passivo oculto.
Logo, o ambiente criado pela diminuição do valor das empresas por conta da
crise, pela desvalorização da moeda e pela garantia legal de que não haverá
sucessão do arrematante, acabou por atrair diversos fundos de investimento
estrangeiros interessados em expandir seus negócios para o Brasil. Hoje em dia,
é bem comum que fundos de investimento interessados em comprar empresas exijam
que elas requeiram recuperação judicial, de modo a garantir que os ativos a
serem adquiridos não serão contaminados por dívidas do passado.
Esse, portanto, tem sido mais um motivo que explica o recorrente aumento dos
requerimentos de recuperação judicial nos últimos semestres.Por fim, vale
ressaltar que esses três motivos para se requerer uma recuperação judicial não
são excludentes entre si, podendo ocorrer de forma cumulativa.
Independentemente disso, a empresa deve sempre buscar assessoria de
profissionais especializados na matéria, já que a doença da crise pode ser
agravada se o diagnóstico e o remédio receitado forem errados.
*Guilherme Camará Moreira Marcondes Machado,
especialista em reestruturação de sociedades, administração de passivos e
recuperações judiciais no PLKC Advogados
Fonte: Convergencia Digital de 21 de junho de 2016.
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