Apresentado nesta quarta, 25, e já em vigor, o Código de Conduta para Ofertas de Serviços de Telecomunicações por meio de Telemarketing foi implantado seis meses após a assinatura de uma carta-compromisso pelas principais prestadoras (Algar, Claro, Oi, Nextel, Sercomtel, Sky, TIM e Vivo), na qual as empresas se comprometem em implantar as iniciativas de melhores práticas que seriam previstas no documento. Na prática, trata-se também da primeira iniciativa de autorregulação do setor de telecomunicações. O sucesso dessa ação pode determinar futuras medidas da chamada "regulação responsiva" neste mercado, ainda que ajustes possam ser necessários.
O documento Normativo 01/2019 (clique aqui para baixar) que estabelece o Código é voltado às atividades de telemarketing das signatárias do Sistema de Autorregulação de Telecomunicações (SART) e por seus agentes credenciados (ou seja, terceirizados). A vigência dessa normativa, obviamente, não se sobrepõe ao cumprimento da legislação e da regulamentação do tema. Segundo a a Federação Brasileira de Telecomunicações (Febratel), a elaboração do Código foi pautado em especial nos princípios gerais do Código de Defesa do Consumidor e pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Apresentado para a Anatel e à Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon, do Ministério da Justiça), o documento não recebeu ressalvas da agência. O Código de Conduta já tinha sido inclusive também apresentado ao Comitê de Defesa dos Usuários de Serviços de Telecomunicações (Cdust) da agência na última sexta-feira, 20.
A ideia de utilizar o Código como um piloto para autorregulação tem respaldo da Anatel, que recebeu as operadoras em evento em Brasília também nesta quarta-feira para o lançamento do documento. O regulador classifica como um "passo importante no aprendizado de um novo modo de regular as telecomunicações". O presidente da agência, Leonardo Euler, destacou que ações desse tipo "mostram, também, que é possível seguirmos trilhando, passo a passo, o caminho para a regulação responsiva". E avaliou que a efetivação do código, com a real mudança de conduta, e a "credibilidade que a autorregulação conquistar junto à sociedade mostrarão até onde esse caminho poderá ser trilhado".
O Secretário Nacional do Consumidor (da Senacon, do Ministério da Justiça), Luciano Timm, deu uma declaração mais cética ao dizer que ainda será necessário seguir por um caminho híbrido: "Colocar a Defesa do Consumidor do Brasil no padrão da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico] vai exigir que se trabalhe com autorregulação e com corregulação".
O Código de Conduta das teles é restrito apenas às ligações telefônicas para oferta de produtos por meio do telemarketing. Pelas leis federais, já há restrições para as mensagens de texto e as mensagens gravadas, que só podem ser enviadas para consumidores que deram consentimento prévio e expresso. Mas a Anatel destaca que "eventuais regras para reduzir o incômodo com as chamadas abusivas", poderão ser endereçadas na revisão do Regulamento Geral de Direitos dos Consumidores (RGC), que já passou por consulta e encontra-se no Conselho Diretor.
A Superintendência de Relações com Consumidores da Anatel havia determinado em março que as prestadoras implantassem lista nacional de bloqueio de telemarketing. Assim, em parceria com a Associação Brasileira de Recursos em Telecomunicações (ABR Telecom), as operadoras Algar, Claro/Net, Nextel, Oi, Sercomtel, Sky, Telefônica/Vivo e TIM, desenvolveram o site "Não Me Perturbe" para o cadastro de usuários que não querem mais receber chamadas com ofertas de serviços de telefonia, TV por assinatura e banda larga. A plataforma tem hoje mais de 2 milhões de números cadastrados (após rápido crescimento no primeiro mês de funcionamento).
Primeiro passo
Para o coordenador do programa de direitos digitais do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), Diogo Moyses, o Código tem aspectos positivos e negativos, mas em geral, é um "primeiro passo" em direção à garantia dos direitos do consumidor. "Eu diria que é uma primeira vitória dos consumidores neste tema que tinha se tornado um dos principais problemas para os usuários. O Código traz várias questões relevantes e importantes que devem servir de referência para outros mercados", declara.
Moyses destaca como pontos positivos o compromisso em não utilizar robôs (robo-calls), que liga para vários números ao mesmo tempo, mas só mantém a ligação para o primeiro usuário que atender. "O restante [das chamadas] era desligado na cara do consumidor. Isso é absurdamente abusivo." Também chama atenção para a medida em que as teles se comprometem a não realizar ligações com números não identificados; bem como o limite de duas chamadas por dia (mesmo se o usuário não atender), e 15 por mês.
Por outro lado, o especialista do Idec afirma que o horário estabelecido para as chamadas (das 9h até as 21h nos dias de semana e das 10h às 16h no sábado) deveria ser mais restrito. "Achamos que o consumidor tem que ter horários de descanso absolutamente reservados. [Por isso] reivindicamos que o Código deve ser aprimorado para estabelecer das 9h às 19h nos dias de semana, e que não sejam realizadas ligações no final de semana", diz Moyses.
Ele também ressalva que o código deveria funcionar como opt-in, e não opt-out – ou seja, o consumidor não deveria precisar fazer nada para já não receber ligações com ofertas; caso quisesse (o que poderia ser motivado por benefícios, descontos ou serviços), aí sim é que ele teria de procurar se cadastrar. Segundo o coordenador da entidade, essa proposta foi apresentada à Anatel e à Senacon. "Número de telefone é um dado pessoal, pela nossa visão. E, à luz do Marco Civil da Internet e da LGPD, as empresas precisam de consentimento do consumidor para ligar para ele. Achamos que é o caminho correto."
Vale destacar também que o número do consumidor poderá ser repassado para outras empresas que decidam adotar o Código para si. O parágrafo único do Art. 22 do documento afirma que as prestadoras signatárias poderão "celebrar acordos para a utilização conjunta da Lista Nacional Não Me Pertube por outros setores, cujos interessados deverão obrigatoriamente aderir aos princípios estabelecidos neste Código de Conduta".
Moyses reclama ainda do escopo da plataforma Não Me Perturbe. "Com 2 milhões de números cadastrados em um universo de 200 milhões de acessos [mais precisamente, 228,6 milhões de chips do serviço móvel pessoal], parece que falta muito para a universalização da ferramenta", afirma. Até o momento, o cadastro no serviço só pode ser feito por meio do site.
Sanções e diretoria
Um ponto a se considerar no Código é que a autorregulação prevê aplicação de medidas no caso de descumprimento contínuo por parte das signatárias. Mas não diz quais seriam as sanções, embora mencione uma "forma prevista" no próprio documento que deveria trazer tal detalhamento:
Art. 18. Será instaurado e instruído Procedimento de Averiguação Preliminar (PAP) contra prestadoras, quando caracterizado indício de descumprimento sistêmico das obrigações previstas neste Código de Conduta, podendo resultar na aplicação de sanções na forma prevista no Código de Autorregulação do SART.
No site do Não Me Perturbe, há também uma previsão de penalidade, mas não diz exatamente que tipo de medida poderia ser tomada. "As prestadoras serão monitoradas por meio da quantidade de notificações procedentes apresentadas no site Não me Perturbe para cada compromisso e poderão ser penalizadas no caso de comprovado descumprimento sistêmico dos compromissos assumidos."
Também não estão detalhados os mecanismos de governança do Sistema de Autorregulação de Telecomunicações. Conforme o § 4º do Art. 16 do Código de Conduta, as prestadoras com indicador de notificações (TMK0) superior a 0,1% deverão encaminhar em até 10 dias úteis à "diretoria de autorregulação do SART" um plano de ações com iniciativas a serem adotadas para a melhoria do desempenho. O documento não estabelece a criação dessa diretoria, tampouco como ela será composta e se terá a participação de terceiros, como representantes do Cdust. Esse grupo também terá o papel de analisar e consolidar mensalmente os indicadores para divulgação no site "Não Me Perturbe".
Da mesma forma, conforme Art. 17, § 2º é aplicado após os três meses de vigor do Código de Conduta, prevendo que as empresas com com qualquer indicador (TMK1, TMK2, TMK3 e TMK4, que dizem respeito respectivamente à descumprimento de horários de ligação, limite de ligações por dia, limite de ligações mensais e de ligações a usuários dentro do sistema de bloqueio) superior a 2% também precisam apresentar um plano de ação.
Procurada, a Febratel ainda não respondeu sobre esses questionamentos até o fechamento desta matéria. Diogo Moyses, do Idec, afirma que essa isso poderia indicar que a autorregulação, por si só, tem limites e precisa ser combinada com regulação efetiva. "Não está na natureza [da autorregulação] o estabelecimento de procedimentos administrativos com sanções aos elementos autorregulados." Ele aponta para o RGC e o fato de já ser possível regular mercado com base na ideia de consentimento. "Achamos que o melhor caminho deveria ser a regulação federal, nos moldes do regulamento do SAC, pelo Ministério da Justiça e pela Senacon", avalia. Por outro lado, pesa em favor da autoregulação a redução da carga regulatória, a liberdade para o desenvolvimento de soluções que visem resolver o problema do consumidor e não apenas atender aos indicadores e a fiscalização das próprias empresas sobre práticas inadequadas de suas concorrentes.
Bancos
A iniciativa acontece um dia após outra proposta de autorregulação ter sido apresentada: o código de conduta da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Também tratando de relacionamento com o consumidor, ele trata especificamente das ligações para ofertas de crédito consignado para aposentados. Semelhante ao das operadoras, esse código permite ao consumidor cadastrar o telefone para não receber mais ligações oferecendo este tipo de produto. Essa medida, contudo, só entrará em vigor em janeiro de 2020.
Fonte: Teletime News de 25 de setembro de 2019, por Bruno Amaral.
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