A decisão da Anatel de suspender cautelarmente a oferta de canais lineares da Fox diretamente ao consumidor por meio da Internet ganhou uma manifestação de apoio do Ministério Público Federal. Em parecer assinado pelo procurador da República Mário Álvares Medeiros e apresentado à 16a Vara Federal da Justiça Federal de Brasília, o Ministério Público reconhece o acerto da Anatel na edição da cautelar em relação aos aspectos que embasaram a cautelar, como o risco iminente e os indícios de ilegalidades, aspectos questionados pela Fox na Justiça por meio do mandado de segurança. A Fox, até aqui, tem se saído vitoriosa contra a Anatel. A cautelar está suspensa liminarmente pela Justiça.
O Ministério Público vai um pouco além das questões formais e tece considerações em relação a aspectos relacionados ao mérito da questão. Por exemplo, pondera qual lei deve prevalecer na análise. A Anatel sustenta que precisa seguir a legislação específica, que é a Lei do SeAC (12.485/2011), ainda que ela seja anterior ao Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014). O MPF dá razão à agência. "As disposições constantes da Lei nº 12.965/14 (Marco Civil da Internet) em princípio não representariam obstáculo ao raciocínio feito pela Anatel. Mercê da falta de tratamento específico da matéria, pode-se invocar o princípio da especialidade para solução do conflito de normas. Nesse ponto, com a devida vênia ao eminente Relator do Agravo de Instrumento (…), a relação conteúdo-continente é a inversa da ali defendida: o Marco Civil é claramente a norma geral e a Lei 12.485/2011 é a especial, de modo que seus dispositivos são preservados por aquela (…)".
O Ministério Público vai ainda além e trata do risco de desenvolvimento de modelos OTT à margem da Lei do SeAC. "A Anatel sustenta a premência temporal para adoção da medida cautelar, em razão do risco da demora. Considerando que o modelo de negócios tratado na inicial, não apenas em razão de sua exploração pela impetrante (Fox), mas principalmente em razão do efeito multiplicador, pode presumivelmente gerar fortes impactos no mercado regulado, é difícil negar-lhe razão. Os efeitos desses impactos não se fariam sentir apenas nos agentes econômicos envolvidos: eles afetam a eficiência de políticas e medidas de contrapartida estabelecidas na Lei 12.485/2011 (proteção da concorrência mediante a proibição de verticalização; transmissão de canais públicos, conteúdo nacional)", diz a manifestação do Ministério Público.
Ainda em sua manifestação, o MPF afirma que o fato de a Fox se sentir prejudicada pela cautelar na liberdade de oferecer serviços é justamente o objeto do debate: "A definição dos limites da liberdade de atuação da impetrante depende necessariamente da definição do enquadramento jurídico dos serviços por ela disponibilizados", diz o MPF, dando razão portanto na atuação da Anatel. "Por todas essas razões, conclui-se pelo acerto da Anatel na edição do ato impugnado pela impetrante, sem prejuízo da possibilidade de sua revisão pela própria agência reguladora ao fim do processo administrativo que conduz, com a conclusão de que certas especificidades observadas nos serviços ofertados pelo aplicativo Fox+ afastam-no da noção de Serviço de Acesso Condicionado".
Entenda o caso
As áreas técnicas da Anatel, no dia 13 de junho, emitiram uma cautelar impedindo a Fox de comercializar diretamente ao consumidor os seus canais lineares por meio da plataforma Fox+ (Fox Plus). Trata-se do modelo direct-to-consumer, que tem se mostrado bastante comum na estratégia das programadoras de TV paga tradicional como forma de se adaptarem a uma nova geração de consumidores e novos provedores de conteúdo que priorizam os conteúdos entregues pela Internet. O processo foi iniciado a partir de uma reclamação da Claro no final do ano passado, alegando assimetrias de regras na oferta de canais diretamente ao consumidor em relação àqueles ofertados a partir de operadoras de TV paga. A cautelar da Anatel diz que a programadora Fox deverá utilizar uma empresa outorgada no Serviço de Acesso Condicionado (SeAC) para autenticar o acesso aos canais, assegurando o cumprimento das obrigações previstas na Lei do SeAC (Lei 12.485). A Anatel abriu também uma tomada de subsídios aberta sobre o tema, para então o processo ser levado ao Conselho Diretor para uma decisão de mérito. As superintendências da agência já manifestaram, em entrevistas exclusivas aqui e aqui, sobre os conflitos de interpretação entre a Lei do SeAC, Lei Geral de Telecomunicações e Marco Civil da Internet, e sobre os desafios conceituais em torno do caso. Além disso, o debate se insere em um contexto ainda mais complexo, pois em outro front a Anatel ainda analisa a aplicação da Lei do SeAC no caso da fusão entre AT&T e Time Warner (hoje Warner Media), cuja resolução depende agora do conselho diretor.
A agência também já se manifestou, inclusive ao Senado, sobre a necessidade de ajustes na Lei do SeAC. Importante destacar que a decisão cautelar é apenas sobre a Fox (não afetando outros casos similares, apesar do precedente), e tampouco afeta conteúdos sob-demanda (como aqueles oferecidos pela própria Fox, Netflix, Amazon etc), conteúdos ao vivo esporádicos (como jogos de futebol) ou conteúdos ofertados gratuitamente pela Internet. O assunto é polêmico e está dividindo a indústria de TV paga. Do lado da tese apresentada pela Claro e reconhecida, em parte, pela cautelar da Anatel, estão os programadores e produtores independentes nacionais, a ouvidoria da agência e a associação NeoTV, que representa pequenas operadoras e TV paga e alguns ISPs de maior porte. Contra a posição da agência estão as gigantes de Internet, os grande grupos de comunicação brasileiros (especialmente os radiodifusores) e as programadoras estrangeiras e grandes produtores de conteúdo internacionais. Em 3 de julho a Fox conseguiu, junto à Justiça Federal de Brasília, a suspensão liminar da cautelar da Anatel. A juíza Flávia de Macedo Nolasco entendeu que a agência não havia conseguido demonstrar os requisitos para a medida cautelar. Em seguida, o TRF manteve a decisão de primeira instância. Posteriormente, a Claro pediu para ingressar como litisconsorte na briga judicial entre Fox e Anatel. Esta semana, a tomada de subsídios da agência foi concluída e as manifestações se tornaram públicas: confira o que disseram a Abranet, Abrint, Algar, MPA, Sky e produtores.
A questão de enquadrar ou não serviços prestados pela Internet dentro das regras da TV por assinatura também é central no debate sobre a reforma do modelo de TV paga, que está sendo travado na Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Inovação do Senado e na Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados.
Fonte: Teletime News de 20 de setembro de 2019, por Samuel Possebon.
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